3 de julho de 2014

Sobre vinhos na Provence: Cassis

... e uma visita não autorizada aos vinhedos do Clos Sainte Magdeleine


A pequena Cassis é uma cidade de praia a leste de Marselha, encravada no litoral, com falésias à sua esquerda, e os calanques à sua direita. Suas praias de água muito fria são destino popular dos franceses. Nos fins de semana do verão, fica difícil encontrar estacionamento. Há vários pequenos trechos de praia diretamente no centro da cidade, para quem não quer andar muito. Já para aqueles dispostos a uma longa caminhada, as praias dos calanques são a principal atração, com águas azuis, calmas como piscinas, porém geladas.

Calanque d'En-Vau. Licença: Commons Wikimedia

Mas o que são os calanques? São baías estreitas e profundas, formadas por paredes rochosas, com uma pequena praia no fundo. A oeste de Cassis, existe um maciço rochoso onde existe mais de uma dezena deles, tudo englobado pelo Parc National des Calanques. Rotas a pé permitem o acesso de banhistas a todos eles, mas para passar do segundo calanque é necessário um bom preparo físico, e é bom levar água, pois no parque não há nenhuma água que não seja a do mar.

Eu encarei o desafio sozinho, e saí andando parque adentro. Andei muito, às vezes encarando subidas e descidas tão íngremes que necessitavam dos apoios das mãos, tudo para chegar em algumas dessas praias. As vistas do alto são bonitas, mas as praias... alcancei a segunda e terceira delas, minúsculas, formadas por seixos no lugar da areia. Mesmo que arredondados, pisar descalço sobre eles é um suplício. Tudo isso, para ir até a água, e descobrir que é tão fria, que não dava para passar do joelho.

Mais confortáveis de se visitar, porém reservadas a quem não tem vertigem, são as falésias a leste da cidade, percorridas por uma estradinha em zigue-zague - a Route des Crêtes - morro acima e morro abaixo, com os devidos locais de parada, com belíssimas vistas do alto, inclusive uma visão panorâmica da cidade de Cassis.


E se não bastasse tudo isso, Cassis também tem vinho. Foi a primeira Denominação de Origem Controlada da Provence, estabelecida em 1936. Há pouco mais de uma dezena de pequenos produtores, alguns dentro da cidade, a pouco mais de 1Km do centro.

Visita 'não autorizada'

Nós chegamos em Cassis pela Route des Crètes, beirando as falésias. Ao final da estrada, descemos uma rua íngreme e estreita, em direção ao centro. Um carro parado em frente a um portão tirava fotos de vinhedos em terraços avistando o oceano. E uma placa dentro da propriedade dizia: Clos Sainte-Magdeleine. Achando se tratar do acesso à sede da propriedade, e como o portão estava aberto, resolvi entrar com o carro, seguindo por um caminho de terra, por entre as videiras, morro abaixo. Logo, percebemos que o cenário não parecia muito a entrada principal da propriedade, e mais abaixo, um caminhão bloqueava a passagem. Chegamos à conclusão de que ali não deveria ser o caminho para a recepção de clientes, e demos meia volta.


A cave do produtor não ficava lá no alto, e sim, no pé do morro, dentro da cidade. É fácil ir a pé a partir do centro. E lá fui eu, arrastando todos juntos. A porta ficava fechada, mas uma placa dizia para tocar a campainha e esperar pacientemente. Foi o que fizemos, e logo veio a simpática atendente abrir a porta, e nos conduzir à cave para uma degustação gratuita.

O domaine tem origem no século XIX, no entanto, está nas mãos da família atual desde 1920. São quase 20ha de vinhedos, localizados em terraços nas encostas do Cap Canaille, recebendo a influência direta do Mediterrâneo. A propriedade possui certificação de cultivo orgânico, e as colheitas são 100% manuais. 80% da produção é de vinhos brancos, e o restante de rosés. Eles não produzem nenhum vinho tinto.


A reputação de Cassis recai sobre os vinhos brancos, tidos como encorpados e complexos. No entanto, é raro passarem por madeira. Diferente do restante da Provence, onde a Rolle predomina entre as uvas brancas, os vinhos de Cassis são elaborados principalmente com Marsanne e Clairette (tendo outras uvas permitidas que costumam completar o corte).

Os vinhos do domaine representam muito bem as características da AOP. Eles descansam por pelo menos 14 meses em tanques de inox, antes de serem engarrafados, para adquirirem a complexidade desejada, sem obter aromas da madeira. Por isso, a última safra engarrafada foi a de 2012. Degustamos o Clos Sainte Magdeleine Blanc, nas safras de 2011 e 2012, feitos com as mesmas uvas (Marsanne, Clairette, Ugni Blanc e Bourboulenc), porém em proporções ligeiramente diferentes. O 2011 era mais complexo, com notas de mel, enquanto a safra mais nova mostra mais acidez. Pode ser uma questão de momento, que meu paladar tenha sido afetado pelo sorvete que eu tinha tomado mais cedo, mas nenhum dos vinhos me encantou. Pelo benefício da dúvida, e porque eu não terei outra chance nos próximos anos, comprei uma garrafa, para fazer a contra-prova. Quanto tomá-la, se minha opinião mudar venho escrever a respeito.

[Editado em 29/07/2014]
De fato, tomei o vinho em casa, em um momento mais favorável, e gostei bastante dele.
Veja o relato: Clos Sainte Magdeleine Blanc 2011.

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