14 de abril de 2014

Como foi a Formação sobre Vinhos de Portugal nível III

Nesta segunda-feira, aconteceu a Formação de Vinhos de Portugal nível III, no Hotel Vitória, em Campinas. A aula faz parte da campanha da Viniportugal para promoção dos vinhos portugueses, e conta com a participação do crítico de vinhos Rui Falcão. O objetivo da campanha é promover o conhecimento sobre as características e particularidades do vinho português, como forma de divulgação.

Neste curso nível III, Rui Falcão abrangeu todas os os assuntos que já havia falado no nível II. Porém este ano o tempo de curso foi bem maior, com duração de 7 horas, o que lhe permitiu entrar em mais detalhes a respeito de algumas regiões menores, às quais havia mencionado com muito mais brevidade da outra vez.

Sendo assim, falou da densidade de castas nativas, de como todas elas são efetivamente utilizadas, das vinhas misturadas; descreveu as influências climáticas e diversidade de relevo e solos, formando inúmeros micro-climas; mencionou as técnicas tradicionais de vinificação, como pisa a pé em lagares, e a tecnologia desenvolvida em Portugal de robôs que realizam a pisa; também citou a fermentação em ânforas de barro (lá, se diz talhas), que hoje se populariza no mundo, mas que em Portugal, há uns poucos produtores que sempre fizeram o vinho desta forma; comentou sobre os benefícios em se fazer vinhos em corte... enfim tudo que faz os vinhos portugueses se distinguirem do restante do mundo.

Após a introdução, veio a descrição das diversas regiões vinícolas do país, e junto, como não poderia deixar de ser, a degustação dos vinhos, de algumas delas. Como foram muitos, selecionei os que mais me agradaram, e os descrevo a seguir.

Bairrada

Luís Pato é provavelmente o nome mais famoso da Bairrada, pelo menos no Brasil. Tem fama de irreverente, e de fazer vinhos de grande qualidade, mas fáceis de tomar. Infelizmente, minhas primeiras duas experiências com seus vinhos não foram das mais felizes: tanto o espumante de Baga quanto o corte Baga/Touriga Nacional foram provavelmente mal acondicionados no importador ou revendedor, e estavam estragados. Mas desta vez, o vinho estava perfeito, fazendo jus à fama do produtor.

O BTT 2009 mostra a irreverência já no nome. Em Portugal, a sigla significa "bicicleta todo-terreno", e as imagens das bicicletas povoam o rótulo. Mas o nome também evoca as uvas de que é feito: Baga, Touriga Nacional, e Tinto Cão. Baga é a uva mais característica da Bairrada, uma uva de muito caráter, mas muito dura; e a Touriga Nacional tem sido cada vez mais usada em corte com ela, apara amaciar o vinho. Já a Tinto Cão, uva mais comum no Douro que na Bairrada, é a novidade apresentada por Luís Pato. O vinho apresenta bastante fruta vermelha doce da Touriga, leve couro, e notas balsâmicas características da Baga. Na boca, o vinho começa com os taninos marcando presença, mas rapidamente sendo domados pela acidez fornecida pela Tinto Cão, e terminando macio, com aromas da Touriga Nacional se prolongando no retro-olfato.


Douro

A região do Douro, origem dos vinhos do Porto, também passou a ter reputação internacional nos vinhos não-fortificados após os Douro Boys: cinco produtores que se uniram em uma campanha para provar que a região também poderia fazer vinhos secos de alta gama. Um dos 5 é Kirk Niepoort, à frente da Niepoort. Apesar do sobrenome holandês, ele representa a quinta geração da família, em Portugal.

O Redoma Reserva 2011, é feito com uvas provenientes de vinhas velhas (mínimo de 80 anos) e misturadas, entre 400 e 800 metros de altitude. Entre as principais variedades, estão uvas clássicas do Douro, como Rabigato, Códega do Larinho e Viosinho. Mas pode haver muitas mais, entre elas, variedades que nem estão catalogadas.

O vinho fermenta e passa ainda 10 meses em barricas de carvalho, com as borras. Isso lhe dá nuances de coco e manteiga, e muito volume de boca. Mas a madeira é secundária, e predominam os aromas de frutas tropicais e nectarina. Além disso, a acidez dá ótimo equilíbrio ao seu corpo, e os aromas persistem por longo tempo no palato. Rui Falcão disse que o vinho deve melhorar nos próximos 20 anos, mas já é uma delícia, como está.


Dão

O vinho se chama Quinta de Saes 2012, mas o produtor é Quinta da Pellada. Foi produzido com as uvas Encruzado, Malvasia Fina e Cercial, com fermentação em pequenas barricas por 3 meses, seguida de maturação por mais 3 meses, com batonage (ação de remoer as leveduras, para se dissolverem no vinho).

Assim como o anterior, é um vinho de grande complexidade, com aromas de frutas tropicais, muito coco e manteiga. Além disso, tem um toque herbáceo (associado a um pequeno amargor) e um leve defumado. Porém, ele não está pronto. Possui uma acidez muito alta, e vai precisar de muito tempo para afinar e ganhar equilíbrio. Rui Falcão falou em 40 anos, e um vinho desses e com uma estrutura dessas, eu pensei que o preço chegaria facilmente a duas centenas, mas custa apenas R$72.


Península de Setúbal

A Península de Setúbal é famosa pelos Moscatéis de Setúbal, vinhos fortificados e doces. Porém, um produto da região ainda mais conhecido é o vinho Periquita, ainda hoje um dos vinhos portugueses mais consumidos no Brasil. O vinho degustado não foi o Periquita, mas foi feito com 'as uvas do Periquita', como era conhecida a variedade Castelão, antes de ganhar seu nome atual.

Val' dos Alhos 2011 é o nome de um vinhedo com vinhas centenárias da Castelão. E com as uvas deste vinhedo, a Horácio Simões faz este vinho extremamente prazeroso. Com aromas daquelas balas azedinhas de framboesa, acre e doce, e um leve toque de especiarias. Tem taninos macios, muito boa acidez, que deixa o vinho fresco, e nem se percebem os 14,5% de álcool. Final longo, deixa a boca salivando, por mais um gole.


Para fechar com chave de ouro...

...um Moscatel de Setúbal, mas não um qualquer, e sim um Moscatel Roxo! Desde que ouvi a primeira vez a respeito do Moscatel Roxo, minha curiosidade enológica me fez cobiçar este vinho, caro e raro. Qual não foi minha alegria ao xeretar entre as garrafas que seriam servidas, e encontrar entre elas o Moscatel Roxo!

Este até mereceu um texto à parte: Moscatel Roxo 1998, da Quinta da Bacalhôa.


Faltou mencionar algo

Alguém pode ter reparado: citei Douro, Dão, Bairrada, falei até de um vinho tinto de Setúbal, mas não teve um vinho do Alentejo?

Claro que teve, e teve outros. Porém, o vinhos tintos do período da tarde, não desceram macio. Só pode ter sido o almoço. O curso, que durou o dia inteiro, incluiu um almoço no restaurante Bellini, no hotel. É um restaurante famoso pelas massas, mas a única massa que tínhamos de opção não me apeteceu, e caí na besteira de pedir o peixe. Peixe em restaurante de massas, não poderia dar certo, e não deu. O peixe estava ruim, duro que chegava a ser difícil de cortar um pedaço para comer. E não parecia muito fresco, também. Pra tirar o gosto do peixe pedi um café. Depois disso, com peixe e café no meu paladar, os vinhos tintos desceram atravessados, então prefiro nem citar seus nomes.

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