10 de abril de 2014

Andrássy Tokaji Aszú 4 Puttonyos 2006

Na época em que eu viajei à Hungria, de mochilão, eu só tomava vinho tinto. Havia 'aprendido' que vinhos brancos e doces eram ruins, que bom era só vinho tinto, e seco. Só que lá na Hungria, a estrela do país são exatamente os brancos doces, feitos na região de Tokaj.


Em Budapeste, eu havia ficado hospedado na casa de um senhor de idade, que eu havia conhecido pelo Hospitality Club. Conversando com ele, surgiu o tema sobre os vinhos Tokaji. Ele falou que eu tinha que provar, pois era diferente, não era simplesmente um vinho doce, era especial, tinha muita acidez, e tudo mais. Ele fez questão de abrir uma garrafa dele, só para eu provar. Realmente, era um vinho com muita acidez, mas eu já tomei com a expectativa de não gostar, daí, não teve jeito. Hoje - que eu sei que uma garrafa daquelas facilmente custa R$300, aqui no Brasil - me arrependo de não ter trazido uma. (O problema seria ela aguentar mais dois meses na mochila.)

Hoje, que já sei apreciar vinhos de sobremesa, tive a oportunidade de provar um Tokaji pela segunda vez. O vinho em questão foi o Andrássy Tokaji Aszú 4 Puttonyos, do ano de 2006, importado pelo Empório Húngaro, especializado em produtos de origem húngara na cidade de São Paulo. Custa R$165, em garrafas de 500mL.


Em uma degustação às cegas ao lado de outros vinhos doces não-fortificados (colheitas tardias, passitos e botritizados) ele se destacou pela incrível acidez. Alguns Tokajis passam mais tempo em tonéis - até 6 anos - o que deixa o vinho mais oxidado, e consequentemente, com cor mais âmbar, mas não é o caso deste. Ele tinha uma cor dourada brilhante, demonstrando jovialidade. Untusoso, encorpado, mas tem apenas 12% de álcool. O aroma remete a algo cítrico doce, mas ao mesmo tempo com muita acidez, como geléia de maracujá. Em segundo plano, vinha um aroma químico, sintético, que é típico de vinhos botritizados. No retrogosto, é possível sentir, também, notas de mel.

O Tokaji deixou para trás todos os outros. Foi unanimemente considerado o melhor da noite. É um vinho fantástico.


Uma breve descrição sobre o Tokaji Aszú


Os vinhos Tokaji (com 'i') são produzidos na região de Tokaj (sem 'i'), no nordeste da Hungria. Há produção de vinhos secos, mas os de grande reputação são os de sobremesa (Tokaji Aszú), feitos com uvas botritizadas. Isso significa que as uvas são atacadas por um fungo, o Botrytis cinerea, em condições climáticas específicas, de forma que a ação do fungo é menos intensa e, dessa forma, o efeito é benéfico. É chamado de podridão nobre. O fungo fura a casca da uva, e dessa forma ela se desidrata, ficando muito mais concentrada (muito açúcar e muita acidez).

O grande ganho do processo de botritização, em relação à colheita tardia e à passificação, é esse: nestes outros processos, a uva concentra açúcar, mas perde acidez. E isso gera um risco de se terminar com um vinho insosso, enjoativo.

Exemplo de uvas atacadas pela podridão nobre (fonte: Commons Wikimedia)

Existem vinhos feitos com uvas atacadas pela Botrytis em diversos países, sendo que os mais conhecidos são os da França (Sauternes e Loire), Alemanha, Áustria e os Tokaji Aszú da Hungria. Mas foi lá que se começou a produzir vinhos assim. As primeiras referências aos vinhos Aszú (feitos com uvas 'podres') data de 1571, quase dois séculos antes da Alemanha e França.

A região também disputa o título de primeira Denominação de Origem do mundo, com o vinho do Porto. Um decreto real criou a região demarcada de Tokaj em 1730, 26 anos antes da demarcação do Marquês de Pombal no alto Douro. Porém, os portugueses dizem que o decreto de Tokaj apenas criava uma região delimitada, mas não tratava de classificação e controle de qualidade. A classificação dos vinhedos de Tokaj veio em 1772 [*].

Os Tokaji Aszú são classificados em termos de puttonyos (3, 4, 5 ou 6 puttonyos), que, grosso modo, refletem a quantidade de uvas botrytizadas utilizadas na produção do vinho. Quanto maior for o número, mais uvas 'podres' foram usadas, mais açúcar tem o vinho, e mais caro ele é. De acordo com o número de puttonyos, a legislação determina a quantidade mínima de açúcar em 60, 90, 120 ou 150, respectivamente. A título de comparação, os Portos tintos Tawny e Ruby têm por volta de 110g/L, equivalente ao 4 puttonyos.

Porém, a Decanter.com publicou que o comitê regulador da região resolveu extinguir as categorias de 3 e 4 puttonyos. Eles pretendem aumentar o investimento nas categorias mais caras, mas o anúncio gerou muitas críticas, tanto pela opção de um Tokaji mais barato, quanto pela opção de menos açúcar (este último caso, as críticas não foram feitas pensando na dieta, mas sim no paladar por si só, e nas possibilidades de harmonização).

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