14 de abril de 2013

Jerez Fino Tio Pepe

Os Jerez são um universo à parte dentro do mundo dos vinhos. E dentre os vários distintos estilos de Jerez, creio que o mais diferente são os Finos. Um Jerez Fino passa por um processo de envelhecimento muito raro, chamado de crianza biológica. Neste processo, o vinho envelhece coberto por uma capa de leveduras. Essa capa, chamada flor, protege o vinho do contato com o oxigênio, e libera substâncias aromáticas ímpares no vinho, como resultado de seu metabolismo.

Eu nunca tinha tomado Jerez antes; mas a minha curiosidade me fez trazer umas garrafinhas de minha última viagem à Espanha. Uma das que trouxe foi o Jerez Fino Tio Pepe, provavelmente o mais famoso Jerez Fino no mundo.

Os apreciadores do estilo dizem que são bons aperitivos, e próprios para acompanhar mariscos e pescados, inclusive peixes defumados. Também dizem que harmonizam com alimentos considerados difíceis de se harmonizar, como alcachofras, ovos e aspargos. Por isso, além de prová-lo, resolvi testar algumas harmonizações que costumam ser atribuídas e este estilo de vinho.


Tentativas de harmonização

Antes, suas características: cor amarelo-palha claro, com um aroma principal de fermento, que remete às leveduras da crianza biológica. Também pude perceber um aroma que me lembrou maçã, daquela bem vermelha, aromática e sem acidez, que costuma vir da Argentina. É seco, mas não com uma acidez marcante; e o álcool (15%) lhe dá uma sensação de untuosidade. O aroma de boca remete às leveduras, mas também a maçã, pêra e um leve amendoado. Já o retrogosto é dominado pela maçã argentina. O aroma me agradou bastante, por ser tão peculiar. Quanto ao sabor, é bem diferente, assusta um pouco. E tem que ser servido abaixo dos 10ºC. Se esquentar, fica alcoólico, incômodo.

Uma das harmonizações sugeridas que mais me intrigou foi de Jerez Fino com presunto cru. Me surpreenderia se o sal do presunto não entrasse em conflito com o alto teor alcoólico do vinho. Sendo assim, foi meu primeiro teste. Resultado: eu já provei vinhos que se saíram pior do que este ao lado de presunto cru, mas definitivamente, esta não foi uma boa harmonização. O gosto do presunto anulou completamente o aroma do vinho, e este tornou o presunto muito mais salgado do que já é. Pra mim, isso não é nada positivo.


A segunda tentativa foi com huevos rotos, um prato que conheci no Mercado de San Antón, em Madri. Batatas previamente cozidas, cortadas em pedaços, temperadas com sal, misturei com ovos na frigideira. Logo antes de desligar o fogo, joguei pequenos pedaços de presunto cru. Além do ovo, foi uma segunda chance ao presunto cru. O vinho funcionou bem com as batatas e o ovo, mas quando vinha uma garfada de presunto cru, ia-se embora o aroma do vinho.

Na terceira tentativa, preparei "a minha versão de" gazpacho, uma sopa fria de tomates, típica da Espanha. Em uma travessa, espalhei um pouco de sal grosso, pimenta do reino e azeite, e coloquei tomates cortados à metade, com a poupa para baixo. Também joguei alguns dentes de alho descascados. Cobri com folha de alumínio, e deixei assar, até o tomate soltar a água. Quando cozinhou o suficiente, tirei do forno, e esperei esfriar. Em seguida bati tudo no liqüidificador, com umas folhas de salsinha. O gazpacho ficou uma delícia, porém, mais uma vez, o vinho saiu apagado. Acho que dá pra dizer que o resultado foi melhor do que com o presunto cru.

Tomates após assados, e a sopa pronta

Os sommeliers, e também os espanhóis, provavelmente vão torcer o nariz agora: pela experiência que tive com o Lajido de Pico, outro vinho fortificado e seco, eu resolvi arriscar provar o vinho com uma sobremesa. Comprei uma tortinha de maçã com creme, idealmente pouco doce. Foi a melhor harmonização para o vinho, pois permitiu que seu aroma continuasse a aparecer. E devido à baixa acidez e alto teor alcoólico, o açúcar da sobremesa não atrapalhou o paladar. Claro que escolhi uma sobremesa pouco doce, pois com o aroma delicado do vinho, pouca coisa o anula. Porém, aquela regra de que o vinho tem que ser mais doce que a sobremesa, mais uma vez não se aplicou.


Mais detalhes sobre a produção do Jerez Fino

O Jerez Fino sempre é produzido com a uva Palomino - uma uva branca que possui algumas sub-variedades, sendo a Palomino Fino, a mais comum. Ela gera um vinho praticamente incolor, e com baixa acidez. É preferencialmente plantada em solos de albariza, muito ricos em cálcio, formando uma camada branca sobre o solo. O clima da região tem verão quente, com poucas chuvas, mas com alta umidade do ar, trazida pelos os ventos do atlântico. As chuvas se concentram entre outubro e maio, e o solo de albariza retém essa umidade durante os meses de verão, até a colheita, que tradicionalmente ocorre a partir de 10 de setembro.

A produção começa igual a um vinho branco. Quando a fermentação termina, é que começam as diferenças. Ele é fortificado até atingir 15%, e colocado em barris de carvalho de 600 litros cheios até 5/6 da capacidade, onde espera-se que forme a 'flor'. Este grupo de leveduras realiza o processo chamado de crianza biológica. Elas protegem o vinho da oxidação, ao mesmo tempo em que consomem oxigênio e álcool. Além disso, as leveduras consomem açúcares complexos (glicerina), e fornecem substâncias aromáticas ao vinho.

Este processo de envelhecimento dura pelo menos 2 anos, em um sistema conhecido como criaderas y solera, que é composto de várias linhas empilhadas de barris. Cada linha delas é chamada de criadera, sendo que a mais próxima do solo é chamada solera, e contém o vinho mais antigo. O vinho a ser engarrafado é sempre retirado da solera, e a mesma quantidade de vinho das linhas de cima vai sendo transferido para as de baixo. Este sistema mistura os vinhos de safras diferentes, e por isso os Jerez não são safrados. E o motivo de uso deste sistema é garantir a uniformidade das características do vinho, ano a ano.

Leitura adicional

Para quem se interessar em conhecer mais a respeito desse estilo, recomendo o texto: Dos vinhos de Jerez.

2 comentários:

  1. Algumas considerações pertinentes porém outras tantas absurdas como a que diz que a harmonização do fino com o presunto crú definitivamente não pode ser considerada uma boa harmonização. Não é preciso ser expert para se dar conta que o presunto harmonizado é visualmente de má qualidade. Uma afronta aos costumes andaluzes.

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    1. Prezado leitor, este pode não ser o nobre Pata Negra, mas se você acha pelo visual que seja de má qualidade, realmente não é um expert no assunto.

      Gostaria ainda de ressaltar que a noção de que o melhor vinho para o presunto cru seja um Fino está longe de ser unanimidade. Em uma pesquisa de opiniões do mercado espanhol, poderá ver que o vinho tinto é a harmonização mais tradicional.

      E quando tratamos de opiniões de 'especialistas', encontramos de tudo, de brancos encorpados, passando por Cavas, ou até mesmo mais específicas, em que dependendo da parte do presunto, a melhor harmonização poderia ser um oloroso, ou mesmo um Jerez Cream (doçura média).
      Maza de jamón ibérico de bellota (texto do Consejo Regulador de Jerez).

      Portanto, os 'costumes' andaluzes estão sendo afrontados até mesmo dentro da própria Andaluzia.

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