23 de abril de 2013

Vinhas velhas e misturadas

Conforme comentei no texto anterior, na última terça-feira, tivemos uma aula de vinhos portugueses ministrada pelo crítico de vinhos Rui Falcão. De tudo o que ele expôs sobre vinhos portugueses, um dos fatores que mais me chama a atenção é a prática de cultivo de vinhas com variedades misturadas.

O cultivo monocasta, cada parcela com uma só variedade, é algo relativamente recente na história da vitivinicultura. A prática foi instituída pela primeira vez pelos monges beneditinos, na região da Borgonha, durante a Idade Média. No entanto, só se tornou prática regular nas regiões mais a sul após a devastação da filoxera, no final do Século XIX: no replantio dos vinhedos, muitos produtores selecionaram poucas variedades, e passaram a fazer plantios em mono-encepamento, cada variedade em uma parcela.

Hoje em dia, nenhum outro país mantém a prática de cultivo com variedades misturadas, além de Portugal. Ainda hoje, entre 15% e 20% dos vinhedos possuem castas misturadas, incluindo variedades brancas em meio às tintas. A maior incidência está na região dos vinhos do Douro e do Porto, mas as há por todo o país. Muitas vezes, o viticultor não sabe - e não quer saber - que variedades tem no vinhedo.

Essa prática era ainda mais comum até a década de 1980. A partir de então, passou a ser mal vista. Dariam mais trabalho de manutenção, pois cada variedade tem um ciclo diferente, e seria necessário passar diversas vezes pelo vinhedo para aplicar as podas, e também a colheita. Em uma onda de modernização da produção, muitas parcelas de vinhas velhas foram arrancadas para darem lugar a parcelas monocastas.

Tradição

Mas porque Portugal se manteve tanto tempo 'atrasado', insistindo em uma prática 'antiqüada'? Porque são excessivamente conservadores, e dificilmente são convencidos a abandonarem suas tradições? Palavra do português Rui Falcão: sim. Mas a verdade é que também há outros motivos.

Em primeiro lugar, a maior parte das propriedades de Portugal são muito pequenas. Em algumas regiões, o tamanho médio por propriedade é de menos de um hectare. Isso significa que o ganho de produtividade por plantar em monocasta é nulo.

Em segundo lugar, essa prática moderna aumenta muito os riscos de perda total da safra, em caso de pragas ou intempéries climáticas. Afinal, se todas as videiras têm o mesmo DNA, todas terão a mesma capacidade de resistir a uma praga específica. Em um campo heterogêneo, sempre há algumas variedades que resistem melhor a certas adversidades. Assim, o plantio misturado foi uma forma de reduzir este risco de perda total.

Ou seja, em uma única prática agrícola, podemos perceber dois mecanismos naturais de preservação de qualquer espécie na natureza: variabilidade genética e populações heterogêneas. É a teoria da evolução das espécies sendo aplicada. E em uma única prática moderna, o homem anulou as duas.

A manutenção dessas vinhas velhas garantiu a preservação de uma grande quantidade de castas, tornando Portugal um dos países com mais variedades autóctones distintas - mais de 300 - perdendo apenas para a Itália (que tem uma área 4 vezes maior). E por que não pensar que essas vinhas também podem gerar novas variedades, com polinização entre variedades diferentes, criando outras variedades? Não estaria a resposta para o aquecimento global em algumas destas castas perdidas, habilitadas por séculos de adaptação contínua?

Revalorização

Indo além do que foi exposto na apresentação, em seu sítio Internet, Rui Falcão publicou recentemente uma notícia intimamente relacionada ao assunto. No texto Património Nacional, ele cita uma propriedade francesa que foi declarada monumento histórico, por ser uma propriedade de vinhas velhas, com variedades misturadas. Há variedades brancas e tintas, muitas das quais não se sabe o nome. Ou seja, na França, onde a prática foi extinta, ela passou a ser venerada como um monumento histórico. E por que Portugal segue arrancando essas vinhas?

A verdade é que, na última década, elas voltaram à moda, também em Portugal. O termo 'vinhas velhas' vende, primeiro porque sabe-se videiras mais velhas costumam dar frutos mais concentrados, e portanto, dão origem a vinhos mais estruturados. Além disso, essas vinhas misturadas estão associadas a valores como tradição, produção natural, e terroir. E tudo isso está em voga.

Mas e o problema dos ciclos de maturação diferentes? Quem segue produzindo com essas vinhas garante as plantas se auto ajustam, aproximando os ciclos, de forma que a diferença da maturação se reduz a no máximo dois dias. Uma diferença considerada pequena, e que não se traduz em perda de qualidade, mas sim em aumento da complexidade e equilíbrio desses vinhos.

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