25 de março de 2016

Queijos de cabra e vinhos

Queijo Serra do Lopo (e no segundo plano, Rolinho do Bosque)

Conforme comentei no início da semana passada, depois que fui pela primeira vez ao Capril do Bosque, no ano passado, fiquei com vontade de realizar uma degustação de seus queijos e alguns vinhos com o pessoal da Nossa Confraria. Pois agora, este mês, esta oportunidade se concretizou, e fizemos um delicioso encontro com vinhos e queijos de cabra, além de outras comidinhas. Além dos queijos do Capril do Bosque, tínhamos patê de damasco, mousse de gorgonzola, lingüiça apimentada curada, frutas secas, e antepasto de bacalhau (com bacalhau, alho, salsinha e tomate), além de pães e torradas. Tudo delicioso!

Como não podia deixar de ser, tivemos também alguns espumantes. Um foi o Adolfo Lona Brut Rosé, figurinha já recorrente em nossas reuniões. E a cada vez, confirmo a sua inabalável qualidade. Além dele, um confrade trouxe um outro rosé para provarmos: o Kanpai Brut Rosé é produzido com Cabernet Sauvignon, na Serra Catarinense. Curioso, mas não gostei. O gosto e aroma dominados pelo pimentão me fazem crer que existe uma boa razão pela qual ninguém usa Cabernet pra fazer espumante.


A lista de queijos

Eu e Thais escolhemos 6 tipos de queijo, em diferentes níveis de maturação, para poder acompanhar com diferentes tipos de vinho. Infelizmente, erramos em um dos queijos: era pra trazer o Cacauzinho, mas em vez dele, veio o Rolinho Cendré. O primeiro seria mais suave, e mais exótico, pela baunilha e cacau usados no queijo. Mas enfim... do mais suave ao mais forte, esses foram os que trouxemos:
  • Queijinho do Lobisomem: queijo tipo boursin, sem maturação. Agora, em vez de enrolado em bolinhas, ele vem como uma massa, que a gente mistura com azeite, e pode temperar se quiser.
  • Rolinho do Bosque: uma curta maturação com mofos brancos, em formato de rolinho, inspirado no estilo Saint Maure.
  • Serra do Lopo: matura por mais tempo que os dois seguintes, porém é lavado na cerveja a cada dois dias, o que lhe reidrata de tempos em tempos, e por isso o sabor é menos intenso, na minha opinião.
  • Rolinho Cendré: um rolinho mais fino, envolto em carvão vegetal, e maturado com mofos brancos. Tem o sabor do carvão na casca, que é levemente picante.
  • Azul do Bosque: de mofo azul, inspirado no Stilton, inglês. Sabor forte, levemente picante, como queijos azuis mais maturados. Normalmente, seria o mais intenso da lista, mas...
  • Pirâmide Cendré: inspirado no Valençay, em formato de pirâmide chanfrada, coberto de carvão vegetal e com mofos brancos. É a quarta vez que como este queijo, e nunca esteve tão pungente. Desta vez, estava até mais forte do que o queijo azul.


Queijos pouco maturados & brancos herbáceos

Queijos de cabra pouco maturados, com seu sabor característico, fazem um par perfeito com vinhos brancos herbáceos, principalmente aqueles feitos de Sauvignon Blanc. Para esta combinação tínhamos dois exemplares: Anderra 2014, do Chile, e Mt Hector 2013, Nova Zelândia. Ambos com bastante caráter herbáceo, aromas de folha de tomate e maracujá, além de acidez refrescante. A combinação do queijo e do vinho na boca transforma os dois, um suaviza o outro, ao mesmo tempo que os sabores continuam ali, bem presentes. É muito interessante. Ficou mais legal ainda quando regamos o queijo com um azeite curtido no gengibre, preparado por uma confrade.

Além dos dois Sauvignon Blancs, tínhamos também o Vinho Verde Aveleda 2012, de caráter menos herbáceo, mas com maracujá bem forte, e acidez ainda melhor que os anteriores (mesmo já com mais de 3 anos). Também ficou muito bom com os queijos menos maturados, e também, é claro, com o antepasto de bacalhau.

Queijo Azul do Bosque (e atrás, a Pirâmide Cendré)

Queijos maturados & brancos doces!

Muita gente vai torcer o nariz, afinal tanta gente aqui no Brasil acha que vinho doce é sinônimo de vinho ruim. Não é a primeira vez que escrevo, nem vai ser a última: isso é besteira! Basta saber escolher vinhos doces de qualidade (por exemplo, seguindo sugestões aqui no blog).

E falando neles, vai uma sugestão: provem queijos de cabra maturados com vinhos doces. Eles combinam muito bem. Vai ser muito mais fácil achar vinhos doces que acompanhem bem esses queijos do que vinhos secos, diminuindo a chance de que o sabor do queijo anule completamente o vinho. E vai mais uma dica: quanto mais forte o queijo, mais doce o vinho. Na nossa degustação, colocamos uma ampla seqüência, desde demi-secs a vinhos doces, para testar as melhores combinações.

O primeiro degrau da 'escada' foi o Chateau Sainte Michelle Riesling 2013, do estado de Washington, Estados Unidos. Ele me surpreendeu, mostrando bastante o caraterístico petrolato da Riesling, com corpo médio, e acidez equilibrada com uma leve doçura. Eu particularmente gostei mais dele do que o segundo vinho da 'escada', um Riesling do Mosel: Deinhard Green Label 2014. O alemão era mais leve, e não mostrava o aroma característico de Riesling. Ambos até foram ok com o primeiro queijo (sem maturação), mas brilharam mesmo com o segundo, o Rolinho do Bosque. Também suportaram o terceiro, mas eram anulados pelos mais fortes.


O degrau seguinte da escada foi o Château Roc de Bouty Moelleux 2011, da AOC Côtes de Bergerac. Moelleux significa semi-doce. No Brasil, classificam como suave, mas não tem nada a ver com os suaves nacionais: este não tem adição de sacarose. Na cor, apresentava nuances tendendo ao dourado, com pouco brilho. O aroma trazia ameixa passificada, com pêssegos em calda e mel. A acidez era mediana, e sua doçura, um pouco maior que os anteriores, o que lhe permitiu escoltar o terceiro e quarto queijos com mais convicção. Mas aí ele parou, não conseguiu suportar os dois mais fortes.

Em seguida, veio o Sauternes: Château du Hayot 2006. Com cor dourada de média intensidade, o aroma mostrava notas bem sutis de botrytis, tendo mais destaque as frutas em calda e mel. Tinha boa acidez, mas a doçura não era tão intensa quanto eu esperava. Acompanhou bem desde os queijos mais suaves, até o Azul do Bosque, e a mousse de gorgonzola. Só não agüentou a picância da pirâmide.

E no topo da escada, estava o Jackson-Triggs Vidal Icewine Reserve 2012, do Canadá. Denso, viscoso, com aromas de frutas exóticas (lembrou um pouco de nêspera e carambola), além de acidez e doçura muito altas, como é normal dos icewines. Foi o único a domar o sabor intenso da pirâmide, e também ficou delicioso com o Azul do Bosque.

Para finalizar, um bolinho de frutas vermelhas

Na nossa degustação, pudemos verificar um monte de tópicos interessantes. Primeiro, corroboramos especialistas em harmonização, que sempre sugerem que normalmente vinhos brancos casam melhor com queijos do que os tintos. Também comprovamos uma harmonização clássica, de queijos de cabra frescos com vinhos de Sauvignon Blanc. Em terceiro lugar, comprovamos outra harmonização clássica, de vinhos doces - como o Sauternes e Icewine - com queijos muito maturados, como os de mofo azul. O meio termo - de vinhos meio doces com queijos de maturação média - me parece uma inferência quase óbvia, que também pudemos comprovar: dá muito certo. Porém, a lição mais importante de todas é que tudo isso são sugestões: não são regras, e ninguém está errado, ou cometendo nenhuma gafe ou infração se quiser tomar outro vinho com esses queijos.

Além de tudo isso, provamos cinco bons vinhos adocicados, de demi-secs ao super doce icewine, mostrando que vinho doce também pode ser bom. E contrariando outro preconceito, quatro dos vinhos eram de tampa de rosca (os dois Sauvignon Blancs e os dois Rieslings), mostrando que vinhos em tampa de rosca também podem ser bons.

2 comentários:

  1. Que delícia de degustação, dá água na boca só de ver as fotos! (e também uma pontada de inveja por ver tantos vinhos bons sendo degustados num único evento - por aqui a confraria é somente de 2 na maior parte do tempo, e recentemente foi reduzida a 1 HEhehehe)

    Tendo a concordar contigo quanto à preferência em harmonizar queijos com vinhos brancos, muito embora eu já tenha vivenciado algumas boas combinações com tintos. Como você bem colocou em vários momentos, trata-se de (boas) sugestões (que já estão anotadas). A boa experimentação e o compartilhamento de experiências fazem o resto.

    Saúde!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Edward, obrigado pelo comentário. Sinto que passei minha mensagem com sucesso.

      Excluir

Sintam-se livres para comentar, criticar, ou fazer perguntas. É possível comentar anonimamente, com perfil do Google, ou com qualquer uma das formas disponíveis abaixo. Caso prefiram, podem enviar uma mensagem privada para sobrevinhoseafins@gmail.com.