20 de março de 2016

Das terras negras do Etna

O Monte Etna, com seus pouco mais de 3300m sobre o nível do mar, domina a paisagem no nordeste da Sicília. Em atividade constante, expele línguas de lava com certa regularidade, além de uma contínua fuligem de fumaça [*]. Mas apesar do perigo, os moradores da região seguem arriscando morar e cultivar nas encostas do vulcão, para aproveitar a fertilidade da terra negra, de origem vulcânica.

Erupção do Etna em 14 de maio de 2015 (fonte: Volcano Discovery)

Especificamente em relação ao cultivo de vinhas, elas se concentram em um semi-cinturão entre 400 e 1000 metros de altitude, nas encostas norte, leste e sul do vulcão. Esta área corresponde à Denominação de Origem Etna, a primeira a ser demarcada na Sicília, em 1968.

A altitude elevada proporciona um clima muito diferente do restante da ilha, normalmente dominado por verões muito quentes. Ela garante noites bem frias, que alongam o período de maturação - a colheita costuma ocorrer na metade de outubro - propiciando melhor manutenção da acidez natural nos frutos. São produzidos tanto vinhos tintos quanto brancos, mas o texto de hoje é sobre um tinto que tive a oportunidade de tomar em uma reunião da ABS sobre vinhos da Sicília: Calderara Sottana 2012.

O vinho é produzido pela Tenuta delle Terre Nere, que significa algo como 'quinta das terras negras', em referência ao solo vulcânico. Estabelecida em 2002, a propriedade possui 30 hectares, na encosta norte do vulcão. Confiantes na distinção de cada um de seus vinhedos, eles vinificam os quatro separadamente, e batalharam para conseguir que fossem reconhecidos por lei como crus - isto é, vinhedos de reconhecida qualidade e tipicidade, com direito a terem seus nomes mencionados nos rótulos - algo que só alcançaram em 2012.

Calderara Sottana é um desses crus. Ele se localiza entre 600 e 700 metros de altitude, e possui solos formados de blocos de pedras-pomes negras, de origem vulcânica. Essas pedras retém grande calor durante o dia, fato que originou o nome do vinhedo (Calderara significa caldeirão, de acordo com o produtor). As vinhas possuem entre 50 e 100 anos de idade.

O solo pedregoso do vinhedo de Calderara Sottana (fonte: galeria de fotos do produtor)

Os vinhos Etna Rosso são produzidos predominantemente com a variedade Nerello Mascalese, que costuma gerar vinhos de pouca cor, com aromas de frutas vermelhas frescas, acidez moderada e taninos intensos. Ela deve vir acompanhada da Nerello Cappuccio, que pode ser adicionada ao máximo de 20% do total. No caso deste vinho, a Cappuccio corresponde a singelos 2%, o suficiente para obter a DOC.

O clima sem excesso de umidade favorece o cultivo orgânico, sem uso de pesticidas industriais. A fermentação durou entre 10 e 15 dias em tanques de inox com temperatura controlada. Em seguida, o vinho foi trasfegado para barricas e tonéis, onde passou por fermentação malolática, seguida de estágio entre 16 e 18 meses, quando foi todo transferido novamente para tanques de inox, para o blend final.

O vinho tinha cor rubi de intensidade bem baixa, bem similar a um Pinot Noir leve e jovem. Por outro lado, o perfil aromático se mostrou bem complexo, e foi evoluindo rapidamente com o passar do tempo. A primeira impressão foi de bala de cereja, e um toque de pão, de fermento. Com algum tempo, apareceram notas de banana. Com mais algum tempo, sumiu a banana e apareceu um mentolado. E em certos momentos, lembrava também azeitonas pretas. Na boca, se destacou uma forte adstringência, o que sugere que o vinho deveria ter sido guardado por mais tempo. A acidez tinha intensidade média, o corpo também era médio, e na boca apareceu bastante sabor de frutas vermelhas, além de um toque de baunilha.


É um bom vinho, foi o melhor da noite, e mostra todas as características esperadas para vinhos tintos da região, além de boa complexidade. Achei apenas que o final poderia ser mais longo, e que os taninos ainda estavam intensos demais. Provavelmente ficaria melhor se fosse guardado por mais tempo.

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