Compro com freqüência na Garrafeira Tio Pepe, mas raramente lá pus os pés, pois sempre compro online. Porém creio que deveria lá ter mais vezes, pois no mês passado, fui a uma degustação muito interessante, a que chamaram O Lado B do Douro, em que o enólogo Jorge Moreira, da Real Companhia Velha, apresentou alguns vinhos da linha Séries.
Trata-se de uma linha "experimental", que de um lado explora diferentes técnicas vinícolas, e de outro, castas menos conhecidas do Douro. Algumas, mais associadas a outras regiões do país, e outras realmente desconhecidas - mas que costumam estar aqui e acolá em vinhas velhas pelo Douro. Foram apresentados 9 vinhos diferentes, alguns de variedades das quais nunca tinha ouvido falar. Eu que adoro conhecer novos sabores, não poderia deixar de ir.
Gouvães 2021
Primeira vez que ouvi falar. É conhecida no campo como Touriga Branca, porém a IVV não permitiu que assim fosse rotulada. É uma variedade branca não aromática, isto é, o perfil do vinho varia muito consoante a vinificação. Nesta colheita, o enólogo decidiu vinificar com cachos inteiros, de forma a reduzir o pH do vinho, e lhe dar um toque mais vegetal dos engaços. Em seguida, o vinho estagiou em madeira neutra, para que a oxigenação arredondasse os taninos obtidos pelo contato pelicular. Foi o primeiro vinho do painel, e o meu preferido. O aroma tinha muita fruta madura, frutas cítricas, notas de evolução, com mel e cera, e a madeira muito discreta no fundo. Tinha corpo médio/alto, com muita acidez, e leve amargor (proposital, devido aos engaços), com intensidade e persistência.Samarrinho Sur Lie 2022
Outra novidade para mim, e outro nome que certamente vai chamar-me a atenção. De acordo com o enólogo, em anos anteriores, ele decidiu vinificar a Samarrinho em ambiente redutor (ou seja protegendo ao máximo contra a oxidação), que resultava em um vinho com perfil muito similar à Riesling. Mas no ano de 2022, ele resolveu fazer o oposto: estagiando com borras finas em madeira. Era um vinho mais floral, com frutas mais frescas, e muita acidez. Como a Garrafeira Tio Pepe dispunha da colheita 2018 para venda, comprei para provar: e realmente, era um vinho com muito cítrico e mineral, e imensa acidez. As duas propostas são muito bons vinhos, mas para meu paladar, a versão em ambiente redutor é minha preferida.Cerceal 2021
Variedade branca conhecida da Bairrada, neste vinho foi feito um lote com três técnicas diferentes: parte do vinho passou por maceração pelicular, parte por malolática, e parte estagiou em madeira nova. Tinha aroma intenso, com frutas maduras, e a madeira bem presente. Na boca era untuoso, com grande acidez, e alta persistência. Acho que com alguns anos de evolução, a madeira pode se dissipar um pouco, e ficar excelente.Rufete 2018
Esta variedade tinta, mais popular na Beira Interior, gera vinhos de pouca cor, taninos suaves, mas segundo o enólogo, com componente vegetal intensa. Logo ao ser servido, mostrou muita intensidade aromática, com pot-pourri, cerejas negras, terra seca, leve caramelo. Era um vinho leve, de cor granada aberta, com poucos taninos, acidez média, e leve amargor. Passado pouco tempo, evoluiu para tabaco e mentolado. Gostei do perfil inicial mas, pelo menos naquela garrafa, perdeu a fruta muito rápido.Bastardo 2019
Não é fácil obter a maturação ideal desta variedade francesa (conhecida como Trousseau) no clima do Douro. Mesmo nas vinhas de mais altitude, pode ser difícil conseguir a maturação fenólica adequada antes de a uva ficar cozida no pé. Por isso, as uvas foram colhidas em agosto, e vinificada com cachos inteiros, com maceração semi-carbônica, para limitar a extração de cor, e ao mesmo tempo, ajudar a dar um componente vegetal ao vinho. Tinha cor rubi, também de baixa intensidade, com aroma basicamente frutado, com um pouco de especiarias, corpo leve, o engaço se fazia notar na boca, e acidez até nem parecia intensa, mas estava a equilibrar 14,5% de álcool. Era um vinho saboroso, mas sem grandes ambições.Baga 2020
A variedade mais icônica da Bairrada, por acaso também se encontra no Douro. Também foi vinificada com cachos inteiros, tinha cor rubi de indensidade média, com aroma a frutas negras, alcaçuz, pot-pourri, chá, que depois evoluiu para mentolado e tabaco. Na boca, corpo médio, taninos intensos, alta acidez, e um toque vegetal no sabor. Alguém disse, não fugiu à Baga; mas acho que se percebe um pouco mais do calor do clima na fruta, que neste caso, resultou bem.Tinto Cão
Apesar de ser uma das 5 variedades mais plantadas no Douro, é a menos popular dentre elas, provavelmente pelo baixo rendimento. Mas é no Douro que ela atinge seu auge, e pela sua qualidade e capacidade de envelhecimento, tem aumentado em popularidade. Neste vinho, a opção foi por reduzir a extração para reduzir a tanicidade. Era um vinho de cor rubi, aroma floral, com frutas negras, alcaçuz, caramelo, corpo médio/alto, acidez equilibrada, taninos intensos e bem redondos, e boa persistência. Dos tintos, foi o que achei melhor. Não à toa, cada vez mais marcas do Douro têm lançado vinhos monocasta de Tinto Cão.Malvasia Preta 2019
O nome Malvasia é usado por diversas variedades - da Grécia à Madeira - sem nenhuma associação entre si. Inclusive, esta Malvasia não tem nenhuma relação com nenhuma das variedades conhecidas como Malvasia Nera na Itália. É uma variedade duriense. Apesar de menos comum que a Tinto Cão, há por aí outros vinhos monocasta desta variedade. Tinha cor um pouco mais intensa que o Tinto Cão, acidez mais intensa, corpo médio, taninos mais macios, aroma de frutas negras, algo floral, um pouco de tosta. Eu ainda não tinha provado nenhum Malvasia Preta, e este me surpreendeu positivamente.Cornifesto 2018
Mais uma variedade de que eu nunca tinha ouvido falar, mas de acordo com o livro Wine Grapes, esta variedade é irmã de pai e mãe da Malvasia Preta. Tinha algumas características em comum, como o corpo e taninos, porém para mim faltou intensidade no aroma, e acidez no palato. Não é o meu estilo, mas a muita gente deve ser o preferido.Enfim, gostei muito de conhecer os vinhos, de conhecer 3 novas castas - sendo Gouvães e Samarrinho entraram para a minha lista de variedades preferidas - mas principalmente gostei muito de conhecer o projeto Séries.
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