29 de julho de 2025

O lado B do Douro

Compro com freqüência na Garrafeira Tio Pepe, mas raramente lá pus os pés, pois sempre compro online. Porém creio que deveria lá ter mais vezes, pois no mês passado, fui a uma degustação muito interessante, a que chamaram O Lado B do Douro, em que o enólogo Jorge Moreira, da Real Companhia Velha, apresentou alguns vinhos da linha Séries.

Trata-se de uma linha "experimental", que de um lado explora diferentes técnicas vinícolas, e de outro, castas menos conhecidas do Douro. Algumas, mais associadas a outras regiões do país, e outras realmente desconhecidas - mas que costumam estar aqui e acolá em vinhas velhas pelo Douro. Foram apresentados 9 vinhos diferentes, alguns de variedades das quais nunca tinha ouvido falar. Eu que adoro conhecer novos sabores, não poderia deixar de ir.

Gouvães 2021

Primeira vez que ouvi falar. É conhecida no campo como Touriga Branca, porém a IVV não permitiu que assim fosse rotulada. É uma variedade branca não aromática, isto é, o perfil do vinho varia muito consoante a vinificação. Nesta colheita, o enólogo decidiu vinificar com cachos inteiros, de forma a reduzir o pH do vinho, e lhe dar um toque mais vegetal dos engaços. Em seguida, o vinho estagiou em madeira neutra, para que a oxigenação arredondasse os taninos obtidos pelo contato pelicular. Foi o primeiro vinho do painel, e o meu preferido. O aroma tinha muita fruta madura, frutas cítricas, notas de evolução, com mel e cera, e a madeira muito discreta no fundo. Tinha corpo médio/alto, com muita acidez, e leve amargor (proposital, devido aos engaços), com intensidade e persistência.

Samarrinho Sur Lie 2022

Outra novidade para mim, e outro nome que certamente vai chamar-me a atenção. De acordo com o enólogo, em anos anteriores, ele decidiu vinificar a Samarrinho em ambiente redutor (ou seja protegendo ao máximo contra a oxidação), que resultava em um vinho com perfil muito similar à Riesling. Mas no ano de 2022, ele resolveu fazer o oposto: estagiando com borras finas em madeira. Era um vinho mais floral, com frutas mais frescas, e muita acidez. Como a Garrafeira Tio Pepe dispunha da colheita 2018 para venda, comprei para provar: e realmente, era um vinho com muito cítrico e mineral, e imensa acidez. As duas propostas são muito bons vinhos, mas para meu paladar, a versão em ambiente redutor é minha preferida.

Cerceal 2021

Variedade branca conhecida da Bairrada, neste vinho foi feito um lote com três técnicas diferentes: parte do vinho passou por maceração pelicular, parte por malolática, e parte estagiou em madeira nova. Tinha aroma intenso, com frutas maduras, e a madeira bem presente. Na boca era untuoso, com grande acidez, e alta persistência. Acho que com alguns anos de evolução, a madeira pode se dissipar um pouco, e ficar excelente.

Rufete 2018

Esta variedade tinta, mais popular na Beira Interior, gera vinhos de pouca cor, taninos suaves, mas segundo o enólogo, com componente vegetal intensa. Logo ao ser servido, mostrou muita intensidade aromática, com pot-pourri, cerejas negras, terra seca, leve caramelo. Era um vinho leve, de cor granada aberta, com poucos taninos, acidez média, e leve amargor. Passado pouco tempo, evoluiu para tabaco e mentolado. Gostei do perfil inicial mas, pelo menos naquela garrafa, perdeu a fruta muito rápido.

Bastardo 2019

Não é fácil obter a maturação ideal desta variedade francesa (conhecida como Trousseau) no clima do Douro. Mesmo nas vinhas de mais altitude, pode ser difícil conseguir a maturação fenólica adequada antes de a uva ficar cozida no pé. Por isso, as uvas foram colhidas em agosto, e vinificada com cachos inteiros, com maceração semi-carbônica, para limitar a extração de cor, e ao mesmo tempo, ajudar a dar um componente vegetal ao vinho. Tinha cor rubi, também de baixa intensidade, com aroma basicamente frutado, com um pouco de especiarias, corpo leve, o engaço se fazia notar na boca, e acidez até nem parecia intensa, mas estava a equilibrar 14,5% de álcool. Era um vinho saboroso, mas sem grandes ambições.

Baga 2020

A variedade mais icônica da Bairrada, por acaso também se encontra no Douro. Também foi vinificada com cachos inteiros, tinha cor rubi de indensidade média, com aroma a frutas negras, alcaçuz, pot-pourri, chá, que depois evoluiu para mentolado e tabaco. Na boca, corpo médio, taninos intensos, alta acidez, e um toque vegetal no sabor. Alguém disse, não fugiu à Baga; mas acho que se percebe um pouco mais do calor do clima na fruta, que neste caso, resultou bem.

Tinto Cão

Apesar de ser uma das 5 variedades mais plantadas no Douro, é a menos popular dentre elas, provavelmente pelo baixo rendimento. Mas é no Douro que ela atinge seu auge, e pela sua qualidade e capacidade de envelhecimento, tem aumentado em popularidade. Neste vinho, a opção foi por reduzir a extração para reduzir a tanicidade. Era um vinho de cor rubi, aroma floral, com frutas negras, alcaçuz, caramelo, corpo médio/alto, acidez equilibrada, taninos intensos e bem redondos, e boa persistência. Dos tintos, foi o que achei melhor. Não à toa, cada vez mais marcas do Douro têm lançado vinhos monocasta de Tinto Cão.

Malvasia Preta 2019

O nome Malvasia é usado por diversas variedades - da Grécia à Madeira - sem nenhuma associação entre si. Inclusive, esta Malvasia não tem nenhuma relação com nenhuma das variedades conhecidas como Malvasia Nera na Itália. É uma variedade duriense. Apesar de menos comum que a Tinto Cão, há por aí outros vinhos monocasta desta variedade. Tinha cor um pouco mais intensa que o Tinto Cão, acidez mais intensa, corpo médio, taninos mais macios, aroma de frutas negras, algo floral, um pouco de tosta. Eu ainda não tinha provado nenhum Malvasia Preta, e este me surpreendeu positivamente.

Cornifesto 2018

Mais uma variedade de que eu nunca tinha ouvido falar, mas de acordo com o livro Wine Grapes, esta variedade é irmã de pai e mãe da Malvasia Preta. Tinha algumas características em comum, como o corpo e taninos, porém para mim faltou intensidade no aroma, e acidez no palato. Não é o meu estilo, mas a muita gente deve ser o preferido.

Enfim, gostei muito de conhecer os vinhos, de conhecer 3 novas castas - sendo Gouvães e Samarrinho entraram para a minha lista de variedades preferidas - mas principalmente gostei muito de conhecer o projeto Séries.

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