1 de dezembro de 2015

Antonio Madeira Dão Vinhas Velhas 2012

Pra mim, considero um erro tentar mensurar a qualidade de um vinho tão somente pelo que se encontra na taça. Para poder reconhecer um grande vinho, é preciso conhecer a sua origem, saber de onde vem, como é a região, como foi produzido, quais os valores do produtor.

Vinha velha (Fonte)

Um exemplo disso são os vinhos de António Madeira, produzidos no Dão, no sopé da Serra da Estrela. São vinhos excelentes, deliciosos, mas certamente perderia-se muito da experiência por bebê-lo sem saber quem é o autor, como se iniciou o projeto, e como tem levado a cabo sua produção. Perderia-se muito do sentido de seu vinho.

Ao me inteirar a respeito do projeto, sabia que dali poderia esperar coisa boa. E não é difícil de se inteirar de todo o seu percurso até chegar a esta garrafa (e às próximas), pois ele publica um blog contando cada novo desafio e conquista, compartilhando o aprendizado em sua trajetória em busca de seu sonho. O blog, A Palheira do Ti Zé Bicadas.

Vinhas velhas de 60 anos, com predomínio de Baga e Jaen (Fonte)

O resgate do Dão Serrano

Francês de raízes portuguesas, António Madeira foi em busca do resgate da tradição do Dão Serrano. Pôs-se a recuperar e trabalhar vinhas velhas, que há alguns anos já não eram cuidadas. Vinhas essas que possuem uma composição peculiar, ou pelo menos nos parece nos dias de hoje. Não apenas porque são vinhas misturadas, muitas vezes com mais de vinte variedades na mesma vinha, inclusive com algumas brancas em meio às tintas. Mas porque elas são compostas de um encepamento que hoje já não é mais típico do Dão. Em vez de Touriga Nacional, Tinta Roriz e Alfrocheiro, essas vinhas têm predominância das variedades Negro Mouro (Camarate), Tinta Pinheira (Rufete), Tinta Amarela, Baga e Jaen. De acordo com suas pesquisas, suas vinhas bem refletem o perfil da região de 150 anos atrás. Em outras palavras, seu trabalho traz à tona um intervalo de 100 anos de história, que se estava a perder.

Suas pesquisas também trazem à tona que a tintureira Alicante Bouschet, conhecida pelos viticultores mais antigos da região como Tinta da Mina, já teve seu papel no perfil da região, mesmo que minoritário. Há ainda outras variedades raras, como a Tourigo do Douro, que seu trabalho salvou da extinção.

Vinhedos sem pesticidas, cheios de vida (Fonte)

Conheci António Madeira e seus vinhos por ocasião da Simplesmente Vinho 2015. Estava a lançar o Dão Vinhas Velhas 2012, assim como apresentar seu primeiro branco lançado comercialmente, o Dão Branco 2013. 'Arranquei-lhe' duas garrafas do tinto, que creio terem sido as primeiras a chegarem ao Brasil. Até queria guardá-las por algum tempo mais, mas não resisti, e abri uma este fim de semana.

Dão Vinhas Velhas 2012

O ano de 2012 no Dão foi caracterizado por uma maturação tardia, o que sempre traz muita preocupação aos viticultores, principalmente aos que realizam um cultivo orgânico, sem uso de pesticidas sintéticos (pois as chuvas de outono poderiam causar podridão dos frutos, e perda de boa parte da colheita). Entre a maturação ideal e o risco da chuva, realizou uma primeira colheita de precisão, colhendo apenas os cachos mais maduros, com alto índice de adrenalina, deixando o restante no pé, arriscar completar a maturação ou perder por podridão. Por sorte, pouco se perdeu.

Quanto à vinificação, ele a fez como acredita que deve ser, o mais natural possível, e com a limitação que o orçamento lhe impôs. Bem, o desengace, contou com o empréstimo do desengaçador da Quinta da Pellada, mas de resto, foi uma fermentação bem artesanal, como testemunhou em seu blog. Pisa a pé para esmagar as uvas; fermentação por leveduras nativas; controle de temperatura com uso de sacos de gelo dentro do mosto (afinal, pretende-se um vinho natural, mas sem defeitos); fermentação malolática e decantação nas barricas, com trasfegas regulares por gravidade para retirar as borras do vinho. Não há adição de nenhum produto além do sulfuroso (30mg/L - mais uma vez, natural, mas sem defeitos). O tempo total de permanência nas barricas usadas foi de 16 meses, para os vinhos de 2012 (veja ficha técnica).


Avaliando-o à revelia de sua origem, me pareceria apenas um excelente vinho, gostoso de se beber, espelhando toda a elegância do Dão, com nariz exuberante, agradável complexidade, boca fresca, acidez viva, taninos muito finos e final longo. Mas como vimos, é muito mais do que isso!

2 comentários:

  1. GOSTARIA DE SABER PORQUE NUNCA SE MENCIONA O NOME DE D. EMILIA CONDE, GRANDE PRODUTORA DE VINHO DE SUA ÉPOCA. pRARA QUEM GOSTA DE PESQUISA:BISNETA DO CONDE DE ALMEIDA, CONFORME RELATO DE SUA FILHA HERMINIA CONDE, POETISA PORTUGUESA. MAIS INFORMAÇÃO, COLOCO-ME A DISPOSIÇÃO, APOSTANDO NA SERIEDADE DA EMPRESA, AGRADEÇO.

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    1. Prezada Aparecida,
      eu não sei porque nunca se menciona o nome de D. Emilia Conde. Da minha parte, nunca a mencionei porque nunca ouvi falar dela, e possivelmente porque os temas dos meus textos nunca cruzaram os passos dessa produtora.
      Uma busca pelo assunto, após a sua súplica, não me trouxe nada além de dúzias de perfis do Facebook e LinkedIn de pessoas com esses nomes. Nenhuma poetisa ou produtora de vinhos.
      Querendo a senhora expor a respeito do tema, e da relação deste com os vinhos de António Madeira, ou do Dão, é com satisfação que lhe deixo à disposição este espaço para que o possa fazer.
      Peço desculpas por desconhecer o assunto, e lamento não poder ajudar mais.

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