8 de novembro de 2013

Vinhos Verdes tintos: exóticos, e incompreendidos

Basílica de Bom Jesus, Braga

A primeira vez que provei um Vinho Verde tinto não foi uma experiência exatamente agradável. Foi em Braga, em um restaurante atrativo e aconchegante, próximo ao Arco da Porta Nova. A comida estava muito boa, mas o vinho, não desceu. Eu já conhecia a fama dele, que não é boa, mas minha curiosidade enológica me levou a arriscar. Uma jarra de vinho da casa era barata, e a Thais tomou com gosto.

Eu me lembro que o vinho tinha uma cor púrpura intensa, um pouco de agulha, alguma adstringência, e um aroma, que não era intenso, mas lembrava vinho de uva americana. Pelo menos para mim, lembrou. E foi isso que me impediu de terminar a minha taça.

Seja pelo aroma, como foi no meu caso, seja pela sensação em boca (leveza, acidez, agulha versus taninos), ele tem alta taxa de rejeição. Mesmo em Portugal, fora do Minho, ele não faz muito sucesso. E quem gosta, diz que não é um vinho para se degustar, é pra se tomar com comida. E comida pesada, de preferência, carnes gordurosas.

Mas, passado mais de um ano da minha primeira experiência com um Vinho Verde tinto, depois de aprender que Vinhão é Souzão, e depois de ter provado vinhos que não eram verdes, mas que continham Vinhão, resolvi dar uma segunda chance. Nesta sexta-feira, no evento Mesa ao Vivo, tive a oportunidade de provar as versões de diferentes produtores.

Assim como o que tomei em Braga, todos os vinhos que provei na Semana Mesa, eram de Vinhão. Além de ser a uva mais comum nos Vinhos Verdes tintos, ela aparece com freqüência também entre os vinhos do Porto e do Douro, sob o nome de Souzão. Porém, entre estes, só aparece em cortes, e em quantidades pequenas. Ela tem muita matéria corante, muita acidez, mas não tantos taninos.

Quinta de Santa Cristina

O primeiro que provei foi o Quinta de Santa Cristina Tinto 2012. É 100% elaborado com pisa em lagar de granito. É isso mesmo, os funcionários passam horas se revezando, pisando nas uvas com os pezões descalços, para se extrair o máximo da matéria corante. Esta forma de elaboração é pouco comum hoje, devido ao trabalho, e custo, mas é considerada a forma mais eficiente de se macerar uvas tintas, sem extrair componentes amargos da casca e das sementes.

Ao ser servido, formou uma nítida coroa de espuma de cor violeta. A sensação tátil na boca é um curioso embate entre a agulha e os taninos. Tem pouco corpo, e muita acidez, é seco, e tem apenas 11% de álcool. A principal diferença entre esta prova, e que havia feito em Braga, era o aroma. Desta vez, não percebi aquele cheiro de vinho de garrafão. Em vez disso, algum floral, frutas maduras, e um toque nítido de couro.

Coroa de gás do Quinta de Santa Cristina tinto

Vinho Verde Biodinâmico

Dizem que o clima do Minho, com a forte influência atlântica, e a grande quantidade de chuvas não facilitam muito o cultivo orgânico e biodinâmico. Mas isso não impediu este projeto visionário, na sub-região de Ponte de Lima. Produzem apenas Loureiro e Vinhão, em cultivo biodinâmico, fermentação com leveduras naturais, pisa em lagar para os tintos, e uma única adição: uma pequena quantidade de sulfitos - 50mg/L nos tintos, e 70mg/L nos brancos. E ainda assim, os vinhos têm longevidade: os servidos na feira são da safra de 2010, e são importados pela MS Import.

Mas como o assunto do texto é tinto, falemos do Afros Vinhão. Tem 12,5% de álcool, tem algum aroma de frutas vermelhas, escoltadas por notas de couro, como o da Quinta de Santa Cristina. Tem a tipicidade do Vinho Verde (muita cor, corpo leve, muita acidez, pouca adstringência), porém muito menos agulha. Talvez seja devido à idade, talvez por estar aberto há muito tempo, ou talvez por não conter adição de gás, não sei. O problema é que está sendo vendido no Brasil a R$99,00. Tem que gostar demais de Vinho Verde tinto para comprar por este preço.


Ponte da Barca

A Adega Ponte da Barca trouxe dois rótulos de vinhos tintos, que devem ser novos, pois não encontrei informações dos mesmos, no site da empresa. O primeiro que provei foi o Terras da Nóbrega 2012. De acordo com o representante na feira, Sr. João Pires, é composto majoritariamente de Vinhão, com um pouco de Borraçal, e Espadeiro. Neste vinho, eu senti o cheiro de vinho de garrafão. Não dá pra tomar.
O segundo se chama Este 2012, e é feito exclusivamente de Vinhão. Tem mais agulha, mais cor, e aromas de couro e floral, mais parecido com os vinhos dos outros produtores, e, portanto, mais palatável.

Palhete

A 15Km de distância da Quinta de Santa Cristina, lá no Basto - e exatamente ao lado, no stand da feira - fica a Casa da Tojeira. O representante Nuno Freitas apresentou os vinhos da casa e, apesar de não ter trazido um tinto para mostrar, trouxe um rosé mais escuro do que muito tinto italiano. É o Casa da Tojeira Palhete, feito com Vinhão (25%) e Espadeiro (75%). O termo palhete se refere a um vinho tinto de coloração pouco carregada. Ele poderia ser um quase-tinto, mas a prova lembra mais um rosé, devido ao teor de açúcar que o deixa adamado. E como tal, é classificado pela empresa. Eu gostaria de saber como ficaria se ele tivesse menos açúcar. Acho que ficaria melhor.


Conclusão

A Semana Mesa me deu uma boa oportunidade de 'revisitar' os Vinhos Verdes tintos. Aprendi que o cheiro desagradável de vinho de garrafão (vinho de uva americana) não é intrínseco ao estilo, e tampouco a Vinhão não é culpada por ele. Creio se tratar de algum processo mal controlado, resultando em alguma forma de avinagramento.

Nem por isso, posso dizer que aprendi a apreciar o vinho. Pelo menos, ainda não. Creio que tenha faltado um leitão assado, ou uma paleta de cordeiro para tomar o vinho da forma para a qual ele foi concebido: com comida.

Quer conhecer mais a respeito de Vinhos Verdes? Leia: Mas afinal, o que é Vinho Verde?

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