20 de junho de 2014

Sobre vinhos na Provence: Bellet, o vinho de Nice

A oeste da cidade de Nice, na Côte d'Azur, o rio Var desemboca no Mediterrâneo. À sua margem esquerda, nos subúrbios de Nice, existem colinas dotadas de terraços, onde estão plantadas as vinhas que dão origem aos vinhos da apelação de origem Bellet.


Bellet foi a segunda AOC da região da Provence, criada em 1941, muito antes das imensas Côtes de Provence, Coteaux d'Aix-en-Provence e Coteaux Varois en Provence. No entanto, ela definhou nos anos 1970 e 1980, ao ponto de restar apenas dois produtores na região. A partir da década de 1990, houve um renascimento, novos produtores se instalaram nesses terraços, e hoje existem algumas marcas produzidas dentro da área metropolitana de Nice.

A região tem atualmente menos de 70 hectares plantados com vinhas, em altitudes de 200m a 400m sobre o nível do mar. São 15 viticultores de exploração familiar, com produção anual total de 150 mil litros (o equivalente a 200 mil garrafas). Por isso, hoje, é raro encontrar destes vinhos fora da região. A maioria permanece como um tesouro secreto dos enófilos locais. Para se ter uma idéia de quão pequena é a produção, se um quinto dos habitantes da região metropolitana da cidade quiserem comprar uma garrafa, cada um poderia comprar uma por ano, e faltariam garrafas.

Com a proximidade do mar, o clima não poderia deixar de ser mediterrâneo. Isso implica em menor variação de temperatura (dia/noite e inverno/verão), calor no verão, e alta pluviosidade. Porém, o ponto chave dos vinhedos, além da altitude, são os ventos alpinos que descem canalizados pelo rio, trazendo frescor necessário à lenta maturação das uvas, e varrendo o excesso de umidade do ar e a quantidade de chuva. Vale lembrar que os vinhedos não recebem irrigação, como é normal em toda a Provence.

A colheita ocorre normalmente em fins de setembro, e é 100% manual, tanto porque as propriedades são todas pequenas (e o investimento em máquinas não tem retorno financeiro), mas também porque são implantadas em terraços, o que impossibilita o uso de máquinas agrícolas.


Château de Crémat

Em menos de 15 minutos, é possível ir de carro, do aeroporto de Nice, até a região de produção de vinhos. Todos os produtores estão localizados entre duas estradas que sobem em zigue-zague as colinas que acompanham a margem do rio. Não é um cenário abrupto e fotogênico como as margens do Douro, em Portugal. Nem é possível avistar o rio, nem a partir da estrada, nem dos terraços, mas a subida em segunda marcha, em zigue-zague, comprova a acentuada diferença de altitude.

Segui a estrada com a Thais e minha mãe em direção a um dos produtores mais importantes da região, o Château de Crémat. É o segundo maior produtor, com 11 hectares de vinhas plantadas. É também um dos dois produtores mais antigos, um dos dois que existiam nos anos 1980. Hoje, pertence um casal de holandeses, e sua produção é 100% orgânica.

A propriedade é um castelo de verdade, uma construção que não passa despercebida, de tamanho considerável para a região, e com uma torre que marca a silhueta. Porém, tem uma fachada simples, moderna, sem adornos. O Château prevê uma visita à propriedade por singelos €18, mas a degustação dos vinhos é gratuita. Por isso, a visita foi rápida: poupei meu dinheiro para comprar vinho. Fui recebido na pequena cave ao pé do Château por uma funcionária atenciosa, que não se encheu de responder minhas questões.


Os vinhos degustados

Razoavelmente afastada de outras regiões vitivinícolas, Bellet se distingue por possuir variedades únicas, exclusivas da região. Algumas se perderam, mas duas continuam sendo o pilar dos vinhos tintos e rosés da região: Folle Noire e Braquet.

A Braquet tem coloração pouco intensa, e muito aromática, sendo a principal uva dos rosés. O Château de Crémat rosé 2012 possui 60% de Braquet, com 20% de Grenache e outros 20% de Cinsault. Tem cor muito delicada, com nuances alaranjadas, muito leve e fresco, e com aromas frutados com frutas do bosque e agrumes (frutas cítricas). Ele passa por uma curta maturação em tanques de inox, é engarrafado cedo, porém, só é liberado no mercado quase um ano depois da colheita. Por isso, a safra mais recente é a de 2012. E este é o principal diferencial deste vinho em relação aos outros rosés da região: a longevidade. Os habitantes da Provence costumam tomar os rosés na safra mais recente possível, mas os de Bellet, podem ser guardados por 3 a 4 anos, prometem os produtores e vendedores.

A Folle Noire, por sua vez, possui muita matéria corante e taninos, e por isso é usada principalmente nos tintos. O Château de Crémat rouge 2010 possui 60% desta uva, e o restante de Grenache e Cinsault. Tem estágio de um ano em barrica, o que deixa um leve toque de caramelo e especiarias, mas as frutas vermelhas predominam. Possui cor rubi elegante, corpo leve, predominado por um bom frescor.

Mas o principal produto do Château são os vinhos brancos, que corresponde a 60% da produção. Sua principal uva é a Vermentino da Itália, que está difundida por toda a Provence, e é conhecida pelo nome Rolle. O vinho branco mais básico, o Château de Crémat blanc 2010 é composto de 95% de Rolle, com 5% de adição de Chardonnay. Ele tem estágio de 6 meses em barrica, e um ano em garrafa antes de ser liberado ao mercado, e por isso, 2010 é a safra mais recente. Eu não acho que o vinho chegou a ficar desequilibrado, mas creio que a madeira marcou muito o paladar, e ele foi rispidamente reprovado pelas minhas companheiras de viagem.


Seus vinhos estão longe de serem barganhas, e custam acima de €17. Por outro lado, estão dentro da média de outros vinhos de Bellet. Gustativamente falando, o tinto e o rosé são muito saborosos, mas tenho minhas dúvidas se realmente valem o que custam. Por via das dúvidas, como não sei quando terei a chance de encontrar destes vinhos novamente, resolvi investir, e levar uma garrafa de cada como lembrança.

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