30 de junho de 2014

Sobre vinhos na Provence: o vin cuit

Eu tomei conhecimento sobre a existência do Château Grand Boise graças ao vin cuit. É um produto típico da Provence, porém muito pouco conhecido, e eu pretendia descobrir mais sobre ele. O site do Château foi um dos primeiros que encontrei, e tinha uma explicação bem didática a respeito do produto. Por isso, estava na minha lista de propriedades a visitar. Contei em outro texto como foi a visita ao Château, mas ficou faltando falar dele, do vinho que me fez ir até lá.

Portão de entrada do Château Grand Boise

O que é

O vin cuit é um vinho doce, de sobremesa, tradicional da Provence, principalmente da região próxima a Aix-en-Provence. O nome significa 'vinho cozido', e isso se refere à técnica usada para obtenção da alta concentração de açúcar.

Na realidade, não é o vinho que é cozido, mas sim o mosto (isto é, o suco obtido da uva, antes da fermentação). Ele é cozido a uma temperatura relativamente baixa (para não caramelizar demais), até que perca um terço (dependendo do produtor, a metade) do volume pela evaporação da água. Com isso, obtém-se um mosto mais concentrado. A forma tradicional de cozimento implica em um tacho de cobre sobre fogueira a lenha. Após ser resfriado, é colocado para fermentar, e a fermentação se interrompe naturalmente, quando o vinho atinge entre 13% e 15% de teor alcoólico, e mantém de 70g/L a 90g/L de açúcar residual. E por fim, ele estagia alguns meses em barrica.

Ou seja, diferente dos vin doux naturels - vinhos de sobremesa franceses, cujo nome poderia ser traduzido como vinhos naturalmente doces, mas que na realidade, são produzidos com acréscimo de álcool para interromper a fermentação - os vin cuits são realmente naturalmente doces, sem necessidade de fortificação. Tampouco, são uma mistela (uma mistura de suco de uva com álcool, que não sofre fermentação).

Um grupo de 16 produtores tradicionais se reuniu em uma associação que pretende preservar a forma de produção tradicional, e também pedir o reconhecimento dele como um produto típico, distinto. Isto porque hoje, nem a legislação francesa, muito menos a européia, o reconhecem como um tipo de produto específico. Nada impede que os produtores o produzam, e coloquem o termo vin cuit nos rótulos, mas oficialmente seus produtos são classificados como vinho de mesa.

Vin cuit do Château Grand Boise

As características do Vin cuit

Ele pode ser produzido com uvas brancas ou tintas, porém na forma de vinificação de vinho branco, isto é, não há maceração com a casca da uva. O suco é extraído por uma prensagem leve, para se obter o suco incolor. Mesmo assim, ele termina com uma coloração caramelo escuro, devido ao cozimento.

O Vin Cuit Château Grand Boise é produzido com uvas tintas (Grenache, Syrah, Cinsault, Carignan), e não passa por filtração, por isso, é perceptivelmente turvo, na taça. Chega a 16% de teor alcoólico, e a representante garante que não tem fortificação.

Além dele, também tive a oportunidade de provar o Vin Cuit de Virant, do Château Virant. É filtrado, e portanto, mais cristalino. Tem apenas 14,5% de álcool, e quanto às variedades de uva, o produtor disse que tem muitas diferentes. É um corte de brancas e tintas, inclusive, um corte de anos diferentes (assim como o do Grand Boise, não tem safra determinada).


Em comum, ambos apresentaram uma excelente acidez, o que é fundamental para um vinho de sobremesa não ser enjoativo, mas que ainda assim me surpreendeu. Eu achei que o cozimento fosse destruir os ácidos da uva, o que, pelo jeito, não ocorre. Os aromas são intensos, de frutas secas (damasco, muito figo, amêndoas torradas), casca de laranja, e caramelo (não há como não ter aroma de caramelo). O açúcar e o álcool são bem balanceados. Os vinhos nos conquistaram, e acabamos comprando duas garrafas, uma de cada produtor, para trazer ao Brasil.

Cave do Château Virant

Curiosidade: além do vin cuit propriamente dito, o Château Virant também produz um vinagre de vin cuit. É um vinagre muito interessante, lembrando a doçura de um creme de balsâmico, porém sem a mesma viscosidade. Ficamos tentados a comprar uma garrafinha, mas o formato da garrafa não ajudava, ficamos com medo que se quebrasse, e decidimos não trazê-la.

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