Whiskeys na Irlanda

A Irlanda é uma belíssima ilha a se visitar, com uma natureza exuberante, um povo muito amigável e educado, pubs animados, belas cidades, boa infraestrutura, muita segurança (inclusive na Irlanda do Norte), e além de tudo, com ótimos whiskeys. Observe que eu escrevi o nome com 'e', antes do 'y'. Oficialmente, o termo em inglês pode ser escrito com 'e', como whiskey, ou sem ele, como whisky. Mas é senso comum e bom costume se referir ao produto escocês unicamente como whisky, e ao produto irlandês como whiskey.

Até o início do século XX, o produto irlandês rivalizava em prestígio com o whisky escocês. Sua derrocada aconteceu do dia para a noite, como consequência de quatro fatos históricos: a Primeira Guerra Mundial, a Lei Seca dos Estados Unidos, a Guerra pela independência, e a Guerra Civil irlandesa. Desde 1801, a Irlanda vivia sob domínio do Reino Unido, e durante os eventos da Primeira Guerra, o movimento de independência irlandês ganhou força. Porém, com a independência, que veio poucos anos depois, o produto irlandês sofreu o boicote do império britânico (a Commonwealth que incluia Austrália, Canadá, e Índia). Em paralelo, a Lei Seca dos Estados Unidos fechou o mercado. Enquanto o escocês entrava ilegalmente pela fronteira com o Canadá, o irlandês ficou sem acesso ao mercado. E para piorar, o mercado interno também sofreu grave prejuízo, pois logo após a independência da República, iniciou-se uma guerra civil.


Como resultado de muitas fusões e falências, hoje há apenas 4 destilarias nas duas Irlandas. São elas:
  • New Midleton Distillery: hoje, pertencente ao grupo francês Pernod Ricard, produz a marca Jameson - a mais famosa das Irlandas - entre outras;
  • Old Bushmills Distillery: a única destilaria na Irlanda do Norte, é também a mais antiga da ilha, de 1608. Esta destilaria destila exclusivamente grãos maltados, mas compra whiskey não-maltado para realização de seus blends (as duas linhas mais básicas);
  • Cooley Distillery: foi estabelecida em 1987, como uma destilaria independente, e com o propósito de reviver antigas marcas irlandesas. Também é lá que se produz whiskeys da marca independente Tulemore Dew, até que eles venham a implantar uma destilaria própria. Desde 2012, a Cooley pertence à Jim Beam, produtora de Bourbon dos Estados Unidos;
  • Kilbeggan Distillery: uma antiga destilaria, localizada na cidade de mesmo nome, ela foi fechada em 1953, e reaberta em 2007, pela Cooley, em seu programa de reviver marcas antigas. Ela possui uma pequena produção em sua área nova, mas funciona mais como um museu do que como uma destilaria.


Em minha viagem pela Irlanda, eu tive oportunidade de visitar as destilarias de Bushmills e Kilbeggan, além da antiga destilaria da Jameson, em Dublin, hoje convertida em museu. Todas as visitas me ajudaram a aprender bastante sobre whiskeys, de uma maneira geral, e a ter um panorama bem amplo a respeito de toda a gama produzida na ilha. Vejam a seguir os textos em que descrevo cada uma delas:
Me agradou o estilo não defumado que abrange a maioria da produção irlandesa, e percebi a diferença que faz um malt whiskey. Além disso, percebi como a origem da barrica é importante no resultado final do whiskey. Minha visita favorita foi na Bushmills, e meu whiskey favorito, também.


Características do whiskey irlandês

Você sabe como é a produção de whiskey? Se não, recomendo ler o texto Dos whiskeys.

A diferença entre o produto irlandês e o scotch está principalmente em dois fatores:
  • maltagem sem turfa: o whisky escocês normalmente é mais defumado. Isso se deve ao uso de turfa, no processo de maltagem dos grãos. A turfa é um combustível fóssil que exala muita fumaça, o que dá o toque defumado no whisky. Na Irlanda, via de regra, não se utiliza turfa na maltagem. Exceto por uma exceção: o Connemara, produzido pela Cooley Distillery é extremamente defumado (o Johnny Walker Double Black é fichinha perto dele);
  • tripla destilação em alambiques: as 4 destilarias irlandesas ainda produzem o whiskey exclusivamente com tripla destilação, realizada em alambiques de cobre. Na Escócia, realizam apenas duas destilações, às vezes apenas uma, com destiladores em coluna (column stills), que conseguem, em uma única destilação, obter um produto com 85% de teor alcoólico. Só existe uma destilaria na Escócia que realiza a tripla destilação: a Auchentoshan (também tive a oportunidade de visitar esta destilaria, clique aqui para ler o relato).

Pedaço de turfa

Por outro lado, os produtos dos dois países possuem mais semelhanças do que diferenças:
  • os ingredientes são água, fermento e grãos - normalmente cevada, mas pode ser qualquer grão, maltado, ou não;
  • a legislação exige o mínimo de 3 anos e um dia de envelhecimento em barricas de carvalho;
  • as barricas usadas para whiskeys nos dois países têm que ser de reuso, isto é, serviram previamente para envelhecer outra bebida (normalmente vinhos, ou bourbon). O tipo de bebida que havia sido usada previamente tem fundamental importância para a qualidade do whiskey. A título de comparação, o bourbon americano, por lei, tem que ser maturado apenas em barricas novas;
  • em geral, são feitos com um blend entre whiskeys maltados com não-maltados, mas os mais caros e melhores são os 100% maltados (malt whiskey ou single malt whiskey). A título de comparação, o bourbon usa exclusivamente grãos não-maltados;
  • quando o whiskey contém uma idade, ela se refere à menor idade dos barris usados no seu blend.

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