6 de fevereiro de 2013

Whiskeys na Irlanda - parte 1: Jameson

Este mês de fevereiro, em vez de escrever sobre vinhos, tenho muito a escrever sobre whiskeys - com 'e', pois é como os irlandeses se referem à bebida nacional. Passei um mês na Irlanda, a passeio, e aproveitei para provar muitos whiskeys, e visitar algumas destilarias. Bom, na verdade hoje em dia existem apenas 4 destilarias em toda a ilha. Visitei duas delas, além do Museu da Jameson. Comentarei cada uma das visitas, além de alguns whiskies, nos próximos textos.

A derrocada

Até o século XIX, o whiskey irlandês gozava de muito prestígio, e rivalizava em condições de igualdade com o whisky escocês. A Irlanda vivia sob domínio do Reino Unido desde 1801, e apesar do domínio político, se beneficiava das condições de comércio da Commonwealth - o mercado comum dos países representados pela Coroa Britânica (que além do Reino Unido, incluía Irlanda, Austrália, Canadá e Índia).

No entanto, no início do Século XX, 4 fatos históricos prejudicaram fortemente o mercado de whiskeys irlandeses: a Primeira Guerra Mundial, a Lei Seca dos Estados Unidos, a Guerra pela independência irlandesa, e a Guerra Civil irlandesa.

Durante a Guerra Mundial, vendo a atenção da metrópole se desviar para outros lados, o movimento de independência irlandês ganhou força. Em 1919, a Irlanda declara independência unilateralmente, criando o estopim para 3 anos de conflitos separatistas, que culminaram em 1921 no reconhecimento pelo Reino Unido da independência de parte da ilha (que corresponde à atual República da Irlanda). Porém, com a independência, veio o boicote da Commonwealth aos produtos irlandeses, fechando boa parte do mercado.

Em paralelo, os Estados Unidos, que não faziam parte da Commonwealth, aprovaram a Lei Seca. Os whiskies escoceses passaram a entrar ilegalmente pela fronteira com o Canadá, mas o produto irlandês ficou sem acesso ao mercado.

Para piorar tudo, a independência não interrompeu os conflitos internos, e a guerra civil entre separatistas (republicanos católicos) e unionistas (protestantes) prejudicou também o mercado interno. Com isso, muitas falências e fusões se seguiram, de forma a restarem hoje apenas 4 destilarias nas duas Irlandas (apesar de diversas marcas). São elas:
  • a New Midleton Distillery, que produz as marcas Jameson, Powers, Paddy, Midleton, além de outras;
  • a Old Bushmills, na Irlanda do Norte, que produz os whiskeys da marca Bushmills. É a mais antiga da ilha, de 1608;
  • a Cooley Distillery, que produz diversas marcas menos conhecidas, além de produzir o whiskey de marcas independentes; e
  • a Kilbeggan Distillery, na cidade de mesmo nome, pertencente à Cooley Distillery. Ela prega ser a mais antiga do mundo, de 1757 (?!?), mas foi fechada em 1953, e reaberta em 2007.

Jameson

Mas chega de falar de história, e falemos do produto. Neste texto, comentarei a minha primeira experiência, que foi com a Jameson, a marca mais conhecida mundo afora. Eles possuem um museu em Dublin, no local de suas antigas instalações.

A marca foi criada em 1780, quando John Jameson comprou uma destilaria inativa no local. A fábrica permaneceu ativa até 1966, quando a Jameson fundiu com outras empresas (Cork Distillery da marca Paddy, e John Power & Son, da marca Powers), formando a Irish Distillers Group, e transferindo a produção de todas para uma única destilaria, em Middleton, no sul da ilha. Desde 1988, a destilaria, assim como todas as marcas, pertencem a o grupo francês Pernod Ricard.


A produção

Na visita ao Old Jameson Distillery (13€, 10% de desconto para compra do ingresso online), aprendemos características do produto deles, que é comum à maioria da produção do país.

O whiskey, em teoria, pode ser feito com diversos grãos, mas o único utilizado pela Jameson é a cevada. A produção é feita de parte de grãos maltados, e parte não-maltados, resultando em um blended whiskey. A maltagem é um processo que promove a germinação dos grãos, e a interrompe no seu estágio inicial - e isso causa uma modificação nos açúcares, resultando no sabor maltado.

A maltagem consiste em umedecer os grãos, e espalhá-los em uma superfície aquecida. Quando começam a germinar, aumenta-se a temperatura para interromper o processo. A fonte de calor usada afeta diretamente as características do produto final. Por exemplo, na Escócia, utiliza-se queima de turfa - um composto orgânico resultante de vegetais em decomposição, muito comum na Irlanda e Escócia. Porém, a turfa gera muita fumaça, dando um sabor defumado ao vinho. O produto irlandês tradicionalmente usava carvão - e hoje em dia, utiliza aquecimento a gás - para evitar o sabor defumado, e obter um produto mais frutado.

Um pedaço de turfa

Outra característica do Jameson - em comum aos irlandeses, e que os diferem dos escoceses - é que o whiskey é destilado 3 vezes, o que de acordo com o guia, contribui para a suavidade da bebida. A tripla destilação em alambique (pot stills) eleva o teor alcoólico a 84%. A bebida é então diluída em água desmineralizada a 63%, e em seguida colocada em cascos para envelhecer.

Por lei, os cascos utilizados para envelhecer whiskey (na Irlanda e Escócia) sempre são reuso de outras bebidas, mais tipicamente, Bourbon, Jerez, ou Porto. Nos produtos da linha Jameson, são utilizados quase sempre os dois primeiros (exceto na linha Vintage, que envelhece exclusivamente em cascos de Porto, e custa €400 a garrafa).

A lei irlandesa exige um mínimo de 3 anos e um dia de envelhecimento, sendo que a linha mais básica da Jameson fica em barril por no mínimo 5 anos. Neste período, mais ou menos 10% do volume evapora, o que corresponde à 'parte do santo' (em inglês, the angel's share).

Ao fim da visita

Toda a visita ocorre em salas de museu, decoradas para parecerem uma minidestilaria. Ao final, chegamos a uma sala de provas, onde fazemos uma degustação comparativa da bebida, ao lado de um scotch whisky e um bourbon. Recebemos uma dose de cada, cada um com uma pequena adição de água, que segundo os especialistas, ajuda a liberar os aromas.

É fácil perceber como o Bourbon tem um aroma mais adocicado, por ser produzido com milho (não maltado). Mas no paladar, desce rasgando um pouco. O escocês, por outro lado, se revela levemente defumado. E o Jameson, por fim, apresenta aromas de baunilha e caramelo. Tem aroma adocicado, porém menos que o bourbon, e desce mais macio. Me agradou mais do que os outros dois, provando-os lado a lado. Mas o escocês também era bom.


Gostei do Jameson, mas estou apenas começando a explorar os whiskeys do país. Nos próximos textos, comento minhas visitas a duas destilarias, e provas de muitas marcas diferentes. Siga o link!

(continua...)

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