Das safras

A maioria dos vinhos apresentam o ano da safra, isto é, o ano em que as uvas foram colhidas. Mas o que esta informação pode significar?

Fonte: A postcard a day

A idade

Em primeiro lugar, claro, a safra dá indícios a respeito da idade do vinho. Para ajudar a saber se o vinho está em um bom momento para ser tomado, se deve ser guardado por mais tempo, ou se já passou do tempo.

Vale lembrar que aquela frase "vinho, quanto mais velho melhor", não é verdade. Alguns vinhos são feitos para envelhecer: são chamados vinhos de guarda (veja mais a respeito: Vinhos de guarda). Vinhos de guarda evoluem, melhoram com o tempo; mas mesmo eles um dia envelhecem e 'morrem', ficam ruins. Um vinho que é feito para durar 10 anos, se for guardado até 15, seguramente estará ruim. Se comprar um vinho de guarda, tenha certeza de não guardá-lo por tempo demais.

Já a maioria esmagadora dos vinhos é feita para ser consumida jovem, de preferência, assim que são lançados no mercado. Isso é particularmente verdade para vinhos simples, aqueles chamados de 'entrada de gama', que são os vinhos mais baratos. E mais ainda quando tratamos de vinhos brancos ou rosés: a maioria deve ser consumida até o lançamento da safra seguinte. Se você está escolhendo um vinho em um supermercado ou padaria, que não é loja especializada, é mais prudente escolher vinhos de safras mais novas. O vinho da última safra será um vinho simples, mas pelo menos você terá mais segurança de que é um vinho simples em bom estado, e não um vinho simples velho.

Agora, se você encontra um vinho com muitos anos sendo oferecido em lojas especializadas (10 anos, ou mais), você pode estar diante de uma grande oportunidade, ou de uma fria. Pode ser um belo vinho de guarda no auge, ou um vinho velho que já passou do tempo. Se a loja/site for confiável, pode valer a pena arriscar. Eu já arrisquei diversas vezes, e fui recompensado com vinhos fabulosos.

O efeito do clima no vinho

Além da idade, a safra pode influenciar na qualidade do vinho. Isso porque o clima normalmente varia de ano a ano. Alguns locais têm clima mais constante, mas normalmente, as médias de temperaturas, os extremos, a distribuição de chuvas, a intensidade de ventos, tudo isso varia de um ano para o outro, e influencia na qualidade das uvas, seja positivamente, ou negativamente.

Naqueles vinhos do dia-a-dia, o clima não costuma influir tanto, porque são vinhos simples, baratos, feitos com uvas menos cuidadas, e são corrigidos com aditivos industriais, por isso têm qualidade razoavelmente constante. Sim, o vinho é normalmente um produto industrial, feito em larga escala, e dezenas de aditivos podem ser usados para corrigir sabores ruins.

Mas em vinhos de guarda, que normalmente são feitos em menores escalas, com uvas mais bem cuidadas, as variações de clima podem fazer diferença. Em certos anos, o clima é melhor, as uvas atingem qualidade melhor, os vinhos tendem a ser melhores, tanto no sabor e complexidade, quanto no tempo de guarda. Em alguns casos, quando o clima é muito ruim, os produtores de maior reputação podem até mesmo não produzir seus melhores vinhos, e usar as uvas apenas para vinhos básicos. Existem tabelas de safras criadas por diferentes publicações, tentando indicar a qualidade das safras em diferentes regiões.

E vale a pena se guiar por essas tabelas de safras?

Essas tabelas contam apenas meias-verdades. Primeiro porque elas representam a média de uma região, depois porque elas se baseiam apenas nos melhores vinhos, nos topos de gama, para dar essa 'nota' a toda a safra da região. Sendo que na mesma região, você pode ter vinhos melhores ou piores. Tomemos Bordeaux, como exemplo. Você pode encontrar tabelas bem genéricas, que avaliem a região como um todo, e diga que 2009 foi um excelente ano. Mas lá também se produz muito vinho simples, para o dia-a-dia, daqueles que se aplicam à sessão anterior (sempre beber a safra mais recente). E em 2009, produziram muitos desses vinhos, que certamente já não estão mais em boas condições.

Além disso, nos anos mais badalados, como 2009 de Bordeaux, os preços podem ser inflacionados devido ao excesso de expectativa. E por isso, pode ser que as outras safras tenham opções interessantes por preços mais convidativos. Em outras palavras, não se prendam a elas.

Degustações verticais

Um exercício muito interessante é fazer uma degustação de um mesmo vinho, de anos diferentes. A isso se dá o nome de degustação vertical. Freqüentemente, podemos fazer degustações assim organizadas por entidades como a ABS, SBAV e similares, ou patrocinadas pelos produtores. Em muitos casos, podemos ver a influência da idade em um vinho (o primeiro fator), e em outros casos, vemos a influência do clima. Eu escrevi a respeito de algumas degustações deste tipo. Siga o link para os textos, e veja que descobertas interessantes temos nessas degustações:

Não-safrados

De vez em quando, encontramos vinhos que não dizem a safra. Isso é especialmente comum em espumantes. Em alguns casos, trata-se apenas da opção do produtor em não divulgar essa informação, mas na maioria das vezes significa que o vinho é composto de um corte (uma mistura) de diferentes anos.

Isso não é necessariamente um mal sinal. A técnica de fazer corte com vinhos de safras diferentes tem por objetivo manter uma qualidade constante ano após ano. Algumas regiões muito tradicionais, como por exemplo Champagne e Porto, utilizam esta técnica de forma institucionalizada. Como a qualidade e quantidade das uvas podem variar de um ano a outro, os produtores dessas regiões guardam uma parte da safra, para compor as safras seguintes, e dessa forma, garantir uma produção de qualidade constante.

2 comentários:

  1. Sou principiante. Adorei o texto. Muito didático e esclarecedor. Me foi muito útil.

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