1 de dezembro de 2020

O efeito do barril de vinho no whisky

Conforme já comentei aqui, whiskies escoceses precisam necessariamente envelhecer em barris de reuso, ou seja, barris que haviam previamente maturado outra bebida. Devido à oferta, a maioria dos whiskies escoceses usam barris de whisky dos Estados Unidos. Mas, os melhores que tomei envelheceram - ao menos em parte - em barris de vinho.
A Glenmorangie é uma destilaria escocesa, localizada nas highlands, que dentre outros, produz alguns whiskies bem pertinentes a esse tema: a partir de uma base single malt de 10 anos (envelhecido em barris de bourbon), ela coloca partes maturando por dois anos adicionais (finishing) em barris de 3 vinhos diferentes: Sauternes, Porto, e Jerez. E para melhorar, ela vende um kit em free shops, com 4 garrafinhas de 100mL. Uma contém o whisky base (sem finishing), e as outras contém whiskies finalizados em barricas dos 3 vinhos. É uma experiência muito didática para verificar o impacto que a bebida anterior (o vinho) pode ter no whisky.

  • Glenmorangie Original: single malt que passa por dupla destilação em coluna, e envelhecido por 10 anos em barris de bourbon, tem teor alcoólico reduzido a 40%, e posteriormente, passa pelo processo de filtragem a frio* (chill-filtered). É um bom single malt, com álcool macio, aromas do malte, defumado discreto, e especiarias como a baunilha.
  • Glenmorangie Nectar D'Or: passa 2 anos em barris de Sauternes. É engarrafado a 46% de teor alcoólico, sem friltragem a frio. Sauternes é um vinho doce, produzido a partir de uvas botrytizadas. O vinho se distinguia do anterior por aroma e sabor mais doces, que lembravam crème brulée, ou pudim de leite condensado, incluindo uma calda de caramelo; mas não me lembrou exatamente os sabores de um vinho 'botrytizado'.
  • Glenmorangie Quinta Ruban: este faz seu finishing em barris de Porto Ruby, e também é engarrafado a 46% e sem filtragem a frio. O Porto é um vinho doce fortificado, e o Ruby se refere a um estilo que tem cor rubi, e guarda características frutadas. O whisky ficou com cor nitidamente mais escura, devido ao vinho, e também mostrou claramente aromas de frutas, um pouco de frutas negras maduras (mirtilo), um pouco de frutas secas (figo, ameixas).
  • Glenmorangie Lasanta: este faz seu finish em barris de Jerez, de dois estilos diferentes - Oloroso e PX - e também é engarrafado com 46% e sem filtragem. Ambos tipos de Jerez são fortificados, e intensamente oxidados. No entanto, o Oloroso é seco, e remete mais a aromas de castanhas, caramelo e tostados, enquando o PX é muito doce, e tem aromas que remetem a caramelo, figo ramy e tâmaras. O whisky mostrou algo de castanhas e tostados, mas não tanto quanto eu esperava. A cor também indicava que a influência do vinho não foi muita.

Whiskies envelhecidos em barris de Porto e Jerez são os meus favoritos. Mas nunca tinha provado um envelhecido em barris de Sauternes, e por isso, eu tinha grande expectativa quanto ao Nectar D'Or. Apesar de ter achado o resultado interessante, não me remeteu tanto ao vinho, e creio que pelo preço com que este whisky é vendido, não compensa. O Lasanta, por sua vez, também ficou aquém das minhas expectativas: já provei outros whiskies com muito mais presença do Jerez. O melhor, na minha opinião, foi o Quinta Ruban, o que mais lembrava o vinho em questão, e também o mais intenso e persistente.

* Filtragem a frio (aproximadamente a 0°C) é um processo aplicado a whiskies antes do engarrafamento, que elimina partículas que poderiam causar turbidez em temperaturas mais baixas. Normalmente, esse efeito de turbidez não ocorre em concentrações de álcool acima de 46%, por isso, estes whiskies não precisam passar pela filtragem. Para mais informações, recomendo o texto: Chill filtration: is it bad for whisky?

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