8 de setembro de 2018

Villa Oeiras, preservando a tradição de Carcavelos

Portugal é cheio de vinhos generosos de grande tradição: o Porto, o Madeira, o Moscatel de Setúbal, o Carcavelos... peraí! Carcavelos!?!


Carcavelos é uma DOC de vinhos licorosos localizada quase na foz do rio Tejo, próximo a Lisboa, tão tradicional quanto desconhecida. Foi demarcada em 1908 - uma das primeiras de Portugal; hoje conta com apenas 25 hectares de vinhedos e uma produção extremamente reduzida, mas nem sempre foi assim.

Passado

Sua reputação é atestada em documentos desde o Século XIV, quando era conhecido como vinho de Oeiras. No Século XVIII, sua produção foi impulsionada graças ao Marquês de Pombal - o mesmo que demarcou a região do Porto. Aliás, o Carcavelos era o único vinho autorizado a ser misturado ao Vinho do Porto, para poder melhorá-lo. Com este fim, a Quinta de Oeiras, de propriedade do Marquês, chegava a vender até um terço de sua produção à Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, que detinha o monopólio do comércio do Vinho do Porto.

Também por influência do Marquês, o Rei José I enviou duas garrafas de seus vinhos ao Imperador chinês, que requisitou muitas remessas posteriores. Mas a fama internacional só veio mais tarde, durante as invasões napoleônicas. O exército francês conquistou Porto, fazendo prevalecer o embargo deste vinho à Inglaterra. No entanto, graças à atuação dos ingleses, como aliados de Portugal, o exército de Napoleão não conseguiu conquistar Lisboa. Sem o vinho do Porto, os vinhos de Carcavelos e da Madeira encontraram seu espaço no mercado inglês.

Ao final do Século XIX, as pragas do oídio e da filoxera devastaram os vinhedos de Carcavelos, e muitos produtores se abstiveram de replantá-los. O golpe de misericórdia foi dado pela expansão imobiliária da capital, sobretudo a partir da segunda metade do Século XX. Hoje, o vinho teria desaparecido por completo, se não fosse a ação do Poder Público em manter a produção, por meio da Estação Agronómica de Oeiras e financiado pela Câmara Municipal de Oeiras, que retomou a produção do vinho nas terras que pertenceram ao Marquês de Pombal, com o projeto de nome Villa Oeiras.

Casal da Manteiga, uma das edificações da antiga propriedade do Marquês de Pombal,
onde o vinho de Carcavelos envelhece (fonte: Site da Confraria do vinho de Carcavelos).

Produção

O Carcavelos é um vinho fortificado de estilo oxidativo. Apesar de no passado ter havido versões secas, hoje só se produzem vinhos doces, com a fermentação sendo interrompida na metade pela adição de aguardente de Lourinhã, a 77% de teor alcoólico. Pelas regras da DOC, o vinho deve estagiar por no mínimo dois anos em madeira e mais seis meses em garrafa, mas hoje, na prática, esses tempos costumam ser muito maiores. O Villa Oeiras permanece por um período médio de 10 anos em barris.

De acordo com a legislação de 2008, são permitidas tanto variedades tintas quanto brancas, com preferência às brancas. Mas na prática, hoje, só são utilizadas 3 variedades: Arinto, Galego Dourado e Ratinho, todas brancas, sendo as duas últimas quase que limitadas a Carcavelos, e em grande risco de extinção.

Apreciação

Esta garrafa que eu tinha veio de Portugal, comprada diretamente na Garrafeira Nacional, em Lisboa. Estava na adega esperando uma oportunidade, e resolvi abrí-lo por ocasião do aniversário de um membro da Nossa Confraria, para acompanhar um bolo de amêndoas com recheio baba-de-moça e geléia de damasco, e cobertura de merengue de coco, feito pelo "nosso" Chef Alê.

Apesar de inicialmente ter escalado o vinho para acompanhar o bolo, na hora fiquei com um pouco de receio: acontece que muitas vezes bons vinhos de sobremesa acabam massacrados por sobremesas muito doces. Temi que o bolo com todos os recheios e todo o merengue por fora pudesse anular o vinho. Para a nossa felicidade, meu receio não se concretizou: o vinho acompanhou o bolo com louvor.

O vinho tinha cor âmbar brilhante, e aroma intenso, com típicas características de oxidação, com notas de amêndoas, avelâs, caramelo, ameixa seca, além de uma nota química, uma soma de massinha de modelar e boticário. Na boca, tinha aquela sensação licorosa devido à combinação do alto teor de açúcar e dos 20% de álcool, mas sem esquentar a boca, devido a uma acidez irrepreensível. O sabor era intenso, com os mesmos aromas do nariz, e uma longa persistência. Depois que acabou o vinho, eu queria levar a taça embora, só pra continuar sentindo os aromas, que não se esvaíam. Uma delícia!

Leituras recomendadas

Para conhecer mais a respeito dos vinhos de Carcavelos (e também da aguardente de Lourinhã), recomendo os seguintes textos:

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