18 de fevereiro de 2016

Botran Solera 1893, DOP Ron de Guatemala

Se tudo o que você conhece de rum se limita a Bacardí e Montilla, então não conhece nada! Assim como a cachaça, o rum é uma bebida destilada da cana-de-açúcar; assim como a cachaça, sua origem é a América Latina; e assim como a cachaça, é uma bebida injustamente pouco valorizada.

No ano passado, eu finalmente conheci um rum que se preza. Um pouco antes do Real mostrar seu real valor, eu fiz conexão pelo aeroporto do Panamá. E como era de se esperar em um país da América Central, a loja de bebidas tinha uma grande diversidade de rums, de diversas origens. No dia, a loja estava oferecendo degustação de dois rótulos específicos, ambos da destilaria Botran, da Guatemala. Um 15 anos, que estava a US25, e um 18 anos, a US35. Apesar da relativamente pequena diferença de idade, a diferença de sabor era enorme, e resolvi trazer o Botran Solera 1893.


O que é rum

Primeiro, algumas palavras sobre o que é rum. Como já adiantei na introdução, é uma bebida destilada produzida a partir da cana-de-açúcar. Porém, diferentemente da cachaça - que é exclusivamente brasileira e possui uma legislação única delimitando sua produção - o rum é produzido em vários países, e portanto, possui diversas legislações e estilos diferentes.

Como linha geral, o rum é produzido a partir da fermentação do melaço de cana. O melaço, para quem não sabe, é o subproduto da produção de açúcar. Após repetidos processos de cozimento, cristalização e centrifugação para se retirar toda a sacarose possível, o melaço é o que resta (mas ainda contém muitos açúcares). Após a fermentação, ele é destilado por duas vezes em destiladores por coluna, chegando a mais de 80% de teor alcoólico. Em seguida, o líquido destilado é diluído com água desmineralizada até atingir a graduação desejada.

A título de comparação, a cachaça é produzida a partir da fermentação do caldo de cana fresco (que costumamos chamar de garapa); e é sempre destilada em alambiques, uma única vez, obtendo-se diretamente a graduação alcoólica final do produto.

DOP Ron de Guatemala

Mas como eu já mencionei, existem diferentes legislações de produção de rum, com regras ligeiramente diferentes. A Guatemala possui uma lei que define uma Denominação de Origem Protegida para o seu rum (mas não todo ele, como veremos). Pelas regras da DOP Ron de Guatemala, o rum do país é produzido a partir da fermentação do que eles chamam de 'mel virgem' da cana de açúcar, ou miel virgen de caña de azúcar, que consiste da garapa reduzida em fogo, para evaporar parte da água, mas sem todo o processo de extração da sacarose. Isto significa que possui uma composição diferente do melaço.

A DOP ainda define que a fermentação é realizada com leveduras extraídas do abacaxi e reproduzidas em laboratório; após a fermentação, a destilação é feita em destiladores de coluna (como é o padrão no rum); e no final, mais uma peculiaridade: o destilado é levado para caves na localidade de Quetzaltenango, nas montanhas, a 2300 metros sobre o nível do mar, para envelhecer. Nesta zona, a temperatura é significativamente mais baixa, o ar é mais rarefeito, e essas condições seriam responsáveis por um envelhecimento de melhor qualidade.

A família Botran

A indústria do rum na Guatemala é dominada por uma família: Botran. Cinco irmãos Botran migraram da Espanha no início do século XX, para empreender na indústria da cana-de-açúcar. Em 1939, decidiram investir na produção de runs e destilados, e fundaram a Industria Licorera Quezalteca. A indústria cresceu, e deu origem à atual ILG (Industrias Licoreras de Guatemala), que ainda pertence aos descendentes da família Botran, e possui as duas principais marcas de rum de envelhecido do país: Botran (a do rum de hoje) e Zacapa. Não por coincidência, estas são também as únicas marcas contempladas pela Denominação de Origem Ron de Guatemala. Ou seja, a ILG define os parâmetros da DOP Ron de Guatemala.

A DOP também delimita as plantações da cana-de-açúcar que dão origem ao rum. E como toda a cana utilizada em ambas as marcas provem das plantações da própria família, apenas as suas terras estão dentro da DOP. É uma exclusividade e tanto. E ainda vale ressaltar que a regra que define o envelhecimento na altitude de 2300 metros foi implementada pelos fundadores da Botran.


O Añejamiento do Solera 1893

Além da altitude, o envelhecimento do Botran Solera 1893 possui mais algumas peculiaridades. Primeiro, ele tem idade declarada de 18 anos. No entanto, diferentemente do que ocorre com os whiskies, por exemplo, na Guatemala a idade indicada não se refere à mínima dos runs utilizados para gerar o produto final. Se refere à idade máxima, e no caso deste, foram utilizados runs de 5 a 18 anos (esta informação está no site da ILG).

Além disso, o rum envelhece inicialmente em um sistema de solera, similar àquele utilizado nos vinhos de Jerez (similar, mas não igual), em que, grosso modo, rum novo vai sendo misturado com runs mais antigos durante o processo. Durante esse processo, são utilizados barris de bourbon americano. Ao final do processo de solera, o rum é colocado para envelhecer por mais 12 meses, em barris de Porto e Jerez. Ao final deste período, é realizado o blend final do produto. Esta informação, só encontrei no excelente texto do Rum Diaries Blog (em inglês), cujo autor menciona ter obtido ajuda do distribuidor para apurar esses detalhes.

Uma informação que não encontrei é o porquê do '1893', no nome. Afinal, a empresa foi criada em 1939.


As características

O rum tem cor castanha, bem mais escura que a maioria dos whiskies, provavelmente devido à maturação nos barris de Porto e de Jerez. A influência do Jerez também domina o nariz, exuberante, oloroso, carregado de amêndoas tostadas, avelãs e afins. Também possui notas adocicadas de caramelo (ou butterscotch, ou toffe, como preferirem), e baunilha. Na boca, é muito macio, como um bom whisky, dá uma sensação adocicada, complementada pelos aromas que confirmam o nariz, e suavizam a sensação do álcool. Tem ainda um final de média persistência, com predomínio das amêndoas tostadas emprestadas do Jerez.

Acho que esta era a grande diferença entre este 18 anos, e o 15 anos, da mesma empresa: a doçura emprestada dos barris de Porto e Jerez. Apesar do mais jovem também mencionar estágio nos ditos barris, a influência foi bem menor, e por isso ele é bem menos aromático, e menos macio. O Solera 1893 foi aprovadíssimo, valeu cada centavo.

3 comentários:

  1. Zacapa ou Botran: eis a questão...

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    1. Yuri, obrigado pelo comentário.
      Eu tive a oportunidade de provar o Zacapa 23 e o XO. O XO é um rum fantástico, sem defeitos. Mas dada a diferença de preço entre o Botran e o Zacapa, eu estou bem contente com o Botran 1893. Acho que para quem tem limite de orçamento, como eu, o Botran tem melhor relação qualidade-preço.

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  2. ja apreciei o Botran reserva, muito especial.

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