Da temperatura do vinho

O objetivo da temperatura ideal é obter o melhor do vinho. Assim como o chope quente e o café frio ficam ruins, o vinho também precisa da temperatura certa para exibir o seu melhor.

Mas isso não significa que precisamos memorizar uma tabelinha de temperaturas, e colocar um termômetro na taça. Não há nada mais pedante do que isso! Basta provar o vinho, e ver se está do jeito que te agrada. Não é simples?


Equilíbrio

A importância da temperatura correta tem a ver com equilíbrio. Os componentes do vinho - acidez, álcool, taninos, açúcar, componentes aromáticos - cada um pode se destacar mais ou menos, dependendo da temperatura. A temperatura ideal é aquela em que todos os componentes aparecem sem incomodar: é quando o vinho será mais agradável. Tudo bem, existem vinhos que não ficam bons em nenhuma temperatura. Mas deixemos esses de lado, e nos concentremos nos que valem a pena.

Em função da temperatura, o vinho se comporta da seguinte forma:
  • aromas: temperaturas muito baixas escondem os aromas; e à medida em que aumenta, diferentes aromas vão se desprendendo, já que diferentes substâncias possuem diferentes volatilidades;
  • álcool: sensação aumenta com o calor. Em uma temperatura acima do ideal, esquenta a boca, e começa a ficar perceptível no aroma;
  • açúcar: a doçura também é acentuada pelo calor. Vinhos doces quentes podem ficar enjoativos.
  • amargor: ao contrário, aumenta com o frio. Por isso, o vinho nunca deve ser gelado demais;
  • taninos: com o frio, os taninos ficam mais amargos e adstringentes ('amarram' mais). É o principal motivo pelo qual vinhos tintos não devem ser resfriados tanto quanto brancos.
  • acidez: costuma-se dizer que a sensação de acidez diminui com o calor. Na realidade, a percepção de açúcar e álcool aumentam, mascarando a acidez. No entanto, a acidez se anula em temperaturas excessivamente baixas, deixando transparecer amargor e, mais uma vez, álcool.

Quando gelado demais, o vinho perde os aromas mais agradáveis, fica amargo, e no caso dos tintos, adstringente. No extremo, a acidez pode ser anulada, deixando o vinho chato, alcoólico. Por outro lado, quando está quente, o álcool ofusca os aromas devido à evaporação. No caso de vinhos doces, o açúcar e álcool se sobressaem, tornando o vinho muito enjoativo. Por isso, o vinho não deve ser servido gelado demais, nem quente.

Mitos

Tintos a temperatura ambiente

Isso só dá certo se a temperatura estiver por volta dos 15ºC - 20ºC. Se o clima estiver quente, o vinho precisa ser resfriado. 15 a 30 minutos na geladeira devem ser suficientes. Se ficar frio demais, é só tirar da geladeira, que ele volta pra temperatura.

E ao contrário, se estiver muito frio (5ºC, por exemplo), pode ser preciso esquentá-lo. Uma vez, no inverno da Irlanda, meu anfitrião pegou os vinhos, que estavam à temperatura ambiente (0ºC), e os posicionou próximos à lareira. Após alguns minutos, ficaram bem melhores.

Tintos na geladeira?

Como vimos, o tinto frio demais pode ficar desagradável, amargo e adstringente. Caso isso não te incomode, manda bala, não tem nenhuma lei que proíba. Por outro lado, há vinhos mais aptos para isso. Variedades como Gamay, Pinot Noir e Cinsault têm menos taninos, por isso os vinhos podem ser servidos mais frescos, sem amargar. Vinhos de regiões como Bardolino e Valpolicella também são bons candidatos.

Gelo no vinho, pode?

Mais uma vez, não há nenhuma lei que proíba. Os vinhos secos, principalmente brancos e rosés, podem acabar muito diluídos, por isso vinhos demi-sec são mais indicados. Vale observar que estão na moda os espumantes Ice, feitos para serem consumidos com gelo (eles são sempre mais doces, para não ficarem diluídos).

Curiosidade: na Provence, é costume colocar uma pedra de gelo em vinhos rosés. Em alguns bares, em vez de um balde com gelo para a garrafa, o atendente vai trazer um pequeno pote com gelo para ser colocado na taça. Melhor tomar um rosé com gelo do que um quente.

Resfriando vinhos

A forma mais eficiente para resfriar vinhos é usar um balde de gelo com água. A água é fundamental: sem ela, o vinho não irá resfriar o suficiente. Para montar o balde, coloque as garrafas, encha de gelo até não caber mais, em seguida coloque a água, e finalmente, complete com gelo, para repor o que se derreteu. Se necessário, adicionar sal grosso e álcool podem dar um 'turbo': a dissolução dos dois faz a água ficar ainda mais gelada, e se conservar por mais tempo.

Levar garrafas ao refrigerador ou freezer não é o ideal. Além do risco de congelar o vinho, endurece a rolha, e torna muito mais difícil sua remoção (neste caso, a tampa de rosca leva vantagem). Mas caso o refrigerador seja mesmo necessário, enrole a garrafa em guardanapo de papel, e molhe: isso fará gelar muito mais rápido. Após retirá-la, será importante deixar descansar um pouco antes de tentar abrir, para que a rolha recupere sua elasticidade, e saia mais facilmente.

A temperatura de cada um

Mas qual a temperatura de cada vinho? Depende, cada vinho tem a sua. Existem tabelinhas com sugestões de temperatura por aí. Mas eu não vou ficar pondo termômetro para medir a temperatura, por isso eu acho mais útil sugerir formas de atingir a temperatura adequada, separando os vinhos em 6 grupos. Para os mais racionalistas, eu inclui um intervalo de temperaturas, só para dar uma referência.


Abaixo, como atingir a temperatura ideal, em cada caso:
  • Gelados: devem ser resfriados no balde de gelo, e mantidos nele durante todo o consumo;
  • Frios: devem ser resfriados no balde de gelo, mas caso fiquem gelados, devem ser retirados por alguns minutos;
  • Geladeira: podem ser resfriados na geladeira, e servidos diretamente;
  • Temperatura de adega: podem ser retirados da adega, e servidos diretamente. Caso não estejam em adega, podem ser resfriados na geladeira, e retirados à hora de servir, deixando esquentar durante o consumo;
  • Frescos: podem ser resfriados na geladeira por um curto período (40 minutos a 1 hora), e depois mantidos fora desta. Obs: caso estejam em adega, os vinhos devem ser retirados com uma pequena antecedência, para que aqueçam um pouco antes do serviço.
  • "Temperatura ambiente": devem ser resfriados na geladeira por um período mais curto (20 minutos), e depois mantidos fora. Caso estejam em adega, devem ser retirados com maior antecedência (1 hora).

Essas diretrizes podem variar dependendo do clima. Se estiver muito quente, é interessante gelar um pouco mais o vinho, para compensar o inevitável aquecimento. O oposto também vale: naqueles dias em que o termômetro despenca, pode ser desnecessário resfriar o tinto; ou pode ser necessário retirá-lo da adega com maior antecedência. Enfim, prove o vinho, e veja se está do seu agrado.

6 comentários:

  1. Ótimo texto!

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  2. Meu vinho estava em uma adega climatizada ( 14/17 ) e acabou a energia e a temperatura subiu até 26, perguntas o vinho pode ter estragado?

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    1. Tal como eu comentei no meu texto Do armazenamento do vinho, os vinhos não são assim tão frágeis.
      Se é um vinho jovem, que está há apenas alguns meses na adega climatizada, e uma vez a temperatura subiu, isso não deve afetar o vinho. Ele provavelmente sofreu com variações de temperatura maiores antes de chegar à loja onde o comprou.

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  3. Acabou a energia de meu prédio durante cinco dias e as tempersturas variaram de 15 a 27 ‘ pode ter comprometido a qualidade de meus vinhos ?

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    1. Se são vinhos jovens, para consumo no próximo ano (ou em até 3 anos, no caso dos tintos), é improvável que este episódio por si só possa comprometer os vinhos.
      No caso de vinhos de guarda, já em idade avançada, vale a pena considerar reduzir o tempo de guarda (evitar guardá-los por muitos anos mais), pois esse incidente pode ter mais efeito no longo prazo.

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  4. Muito bem explicado. Amei!

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