7 de fevereiro de 2017

Um Port dos Estados Unidos

Dia desses, me deparei com um vinho inusitado: um 'Port' feito nos Estados Unidos. Tratava-se o Bogle Port Petite Sirah 2008, um vinho fortificado doce, produzido pela Bogle Vineyards, uma vinícola com sede em Clarksburg, Califórnia.


Denominação de Origem Protegida

Port, é claro, faz referência aos Vinhos do Porto, vinhos fortificados e doces, produzidos na região do Douro, no norte de Portugal. O Vinho do Porto é sujeito a uma Denominação de Origem Controlada/ Protegida, que determina que apenas vinhos produzidos na região demarcada possam usar o nome, ou suas variações e traduções. Essa Denominação de Origem foi estabelecida em 1907, já que àquela época, muitos vinhos já eram produzidos ao redor do mundo utilizando indevidamente nomes como Porto, Oporto, ou Port.

No entanto, uma Denominação de Origem criada em um país não tem nenhuma validade em outro, a menos que existam acordos internacionais. Por isso, ainda hoje há muitos vinhos Port sendo produzidos nos Estados Unidos, Austrália e África do Sul, por exemplo. Nesses países, Port é tido como um sinônimo para vinhos fortificados e doces (e algumas vezes, é usado também para designar mistelas, isto é, sucos de uva misturados a aguardente).

Ports nos Estados Unidos

A primeira produção com êxito de uvas viníferas nos Estados Unidos ocorreu primeira metade do Século XIX, na recentemente anexada Califórnia (no leste, pragas como o míldio e a filoxera frustravam todas as tentativas de plantio de vinhas européias) [*]. E imediatamente os primeiros vinicultores estadunidenses começaram a reproduzir os estilos de vinhos europeus, criando alternativas muito mais baratas que os originais. Como não havia nenhum controle, cada um utilizava os métodos e variedades de uva que bem entendesse, ao ponto que qualquer vinho fortificado e doce passou a ser chamado de Port.

Os Estados Unidos nunca reconheceram oficialmente o sistema de Denominações de Origem europeu. O único esforço nesse sentido se trata de um acordo firmado em 2006 com a União Européia, reconhecendo como 'marcas registradas' apenas alguns nomes 'semi-genéricos' [**][***]. O acordo inclui restrição aos nomes Port, Porto e Oporto, no entanto, existe uma cláusula de precedência (chamada grandparent), segundo a qual marcas previamente existentes continuarão com o direito de usar esses nomes protegidos. E para piorar, o novo governo populista do país está mais propenso a revogar acordos internacionais do que a mantê-los [****].

A título de curiosidade: se oficialmente o governo estadunidense sempre mostrou pouco interesse em respeitar marcas estrangeiras, por outro lado, existem iniciativas de mercado nesse sentido: é que os produtores de Napa Valley sabem que sua 'marca' regional também tem grande valor e querem protegê-la. Por isso, ajudaram a formar uma aliança chamada Wine Origins, com o objetivo de pregar o mútuo respeito às Denominações de Origem em todo o mundo. Alguns produtores de Napa já trocaram os nomes de seus produtos voluntariamente.


Mas e aí? O vinho é bom?

A produção de vinho já difere de um Porto no vinhedo. Primeiro, é feito com a variedade Durif - uma variedade descendente da Syrah - e que nos Estados Unidos é conhecida como Petite Sirah (observe a diferença de grafia: a mãe se escreve com 'y', e a filha, normalmente, com 'i'). Além disso, os produtores deste vinho atrasam propositalmente a colheita, deixando as uvas ficarem sobremaduras.

Na adega, o processo é similar ao Porto Ruby. A fermentação é interrompida na metade, quando álcool é adicionado (se é um álcool de grãos, de uvas, ou outro, não tem especificação). Ele permanece com aproximadamente 100g/L de açúcar, e álcool em 20%, similar aos vinhos do Porto. E em seguida, ele é colocado em barris neutros (isto é, que já foram usados muitas vezes, e não aportam mais aromas ao vinho), onde permanece por 17 a 24 meses (dependendo da safra).

Pesquisando este tema, percebi que há exemplares de Ports estadunidenses aclamados por especialistas. Mas este que provei não me convenceu. Devido à idade - 9 anos - é bem possível que já esteja em declínio. Tinha uma cor rubi intensa e acastanhada, com depósitos visíveis; e um aroma intenso e curioso de 'bananinha' - aquele doce quadradinho e marrom escuro, feito de banana e açúcar. Também era possível perceber jabuticaba e especiarias doces (principalmente, canela). Até aí, nada demais, mas ao prová-lo... era muito doce, e pouquíssima acidez, bem enjoativo.

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