13 de maio de 2016

Harmonizando a culinária do sudeste asiático

Dias desses, a ABS Campinas SBSomm realizou seu tradicional jantar mensal no Tomyam (antigo Lagundri), restaurante de culinária do sudeste asiático. A ABS Campinas realiza estes jantares em restaurantes da cidade, pelo menos uma vez por mês. São eventos fechados e com cardápio previamente definido; e os vinhos ficam a cargo dos sócios. Eu nunca tinha ido antes, pois sempre achava a relação custo-benefício ruim. Mas desta vez, eu e Thais nos interessamos, pelo tema, pelo restaurante e pelo cardápio. Apesar de já haver algum tempo que não íamos no Tomyam, sempre que íamos, gostávamos da comida. E como vários amigos se interessaram também, ficou ainda mais legal.

Cardápio

A idéia do restaurante para o cardápio também foi interessante: era composto de várias porçõezinhas, de entrada e de sobremesa, além de dois pratos principais. Dessa forma, além de nos permitir provar uma variedade maior de opções do cardápio da casa, diminui o 'prejuízo' quando não gostamos de algum dos pratos. Comigo mesmo, aconteceu isso.

O couvert era de um pão achatado chamado roti, feito sem fermento, ao estilo indiano. Foi servido com geléia de pimenta e especiarias. De acordo com o cardápio, é feito na wok, mas fica com um leve toque tostado, como se tivesse sido finalizado direto na boca do fogo (receitas deste pão na Internet mencionam esta finalização). Bem gostoso.


Entradas:
  • Yam Woon Sen: salada de folhas verdes, com broto de feijão, camarões e castanhas de caju trituradas. Pela descrição do cardápio, era pra ter vindo água-viva no prato, nas no meu, não tinha (ou era transparente, e não vi). Enfim, nada de mais.
  • Maahor: um mix de carnes de camarão, frango e porco moídas, preparadas com açúcar de palmeira e amendoins. Foi servida em uma colher (estilo The Taste), com um pedaço de maçã e uma folha de coentro. Eu adoro coentro, e gostei da combinação, principalmente pelo frescor da erva.
  • Thai spring rolls: rolinho primavera, servido com geléia de pimenta. Adorei a combinação. O rolinho estava bem crocante, saboroso sem ser salgado demais, e a geléia de pimenta dava um toque extra.
  • Lulas Chiang Mai: lulas recheadas com pernil suíno moído, com curry vermelho. Achei insosso, sem graça. Mas ainda bem que haviam duas boas opções anteriores.


Pratos principais:
  • Lagundri Pad Thai: de acordo com a garçonete, é o carro-chefe da casa. É um talharim de arroz salteado na wok com camarões, lulas, legumes, molho de tamarindo e amendoíns. Era ao mesmo tempo agridoce e com um toquezinho de pimenta. A pimenta poderia ser mais forte, mas estava muito bom.
  • Koh Tao: cubinhos de mignon com abacaxi, salteados na wok, com gengibre, broto de feijão, molho de ostras e manjericão. Era acompanhado de arroz thai jasmine (com aroma de jasmim). Só que acho que erraram na preparação e, em vez de gengibre, colocaram uma tonelada de cebola roxa. Na minha opinião, a carne bovina com abacaxi não 'deu liga', e a cebola terminou de matar o prato. Mas eu estava satisfeito com o primeiro.


Sobremesas:
  • Thai Banana Soup: uma 'sopa' doce de banana com leite de coco. Interessante. Servida na colherinha, não tinha cara de sopa, o que creio ter sido um ponto a seu favor.
  • Mini-brownie: com sorvete de creme. Não é lá muito asiático. De acordo com o cardápio era pra ter lichia no meio, mas não tinha.
  • Taj Mahal: paçoca de amendoim com brunoise de manga (manga bem picadinha) e geléia de pimenta. Esta foi a melhor da noite, pra mim.



Os vinhos

Como é possível imaginar, harmonizar vinhos tintos com esses pratos seria bem difícil. Na nossa mesa, haviam apenas espumantes, um rosé, vários brancos - sendo dois demi-secs - além de um vinho de sobremesa. A seqüência de vinhos não casou especificamente com uma seqüência de pratos, afinal, não foi uma harmonização planejada nos detalhes. Cada um havia levado um vinho que achava que poderia ir bem com o cardápio em geral, e íamos abrindo e tomando. Não pretendo listar aqui todos os vinhos; mencionarei apenas os que creio que mais combinaram com a culinária em questão.

Uma uva que normalmente é muito cotada para harmonizar com comidas mais exóticas e cheias de especiarias é a Gewürztraminer. Além de normalmente serem vinhos semi-secos, ela é muito aromática, tipicamente com muita lichia e especiarias (Gewürz significa tempero em alemão). O alemão Gries Gewürztraminer Kabinett Feinherb 2013 é mais fresco que outros vinhos dessa uva, e por isso não é enjoativo. Além disso, seu aroma é menos carregado na lichia, que vem acompanhada de outras frutas exóticas, como manga e mamão. Tem ainda toques floral e defumado.


Outra variedade que casa bem com este tipo de comida é a Tămâioasă Românească, versão romena da Moscatel. No ano passado, eu conheci dois vinhos dessa uva: Artisan Sec 2012 e Artisan Demidulce 2009, importados pela Winelands. E desde então, eu queria prová-los junto a uma culinária mais exótica. Por isso, comprei outra garrafa de cada, esperando a oportunidade. Ambos são produzidos pela Aurelia Vișinescu, a enóloga de maior reputação da Romênia. A linha Artisan é dedicada a variedades romenas, com vinhos exóticos, muito interessantes. É a minha linha favorita dentre os vinhos da enóloga.

O Sec, que foi aberto mais no início, era bem aromático, lembrando a Moscatel, com aroma intenso de flores e casca de laranja. Na boca, ele estava encorpado, levemente doce, e com um toque salgado. Foi um pouco pesado para acompanhar as entradas, e se saiu melhor com o Maahor. Acho que precisava de uma aeração para se abrir um pouco mais, mas este era um recurso que não tínhamos à disposição na hora.

Já o Demidulce foi o penúltimo a ser aberto. Sua complexidade e equilíbrio arrancaram elogios de todos à mesa. Alguns ficaram mesmo muito impressionados com o vinho. Além de flores lembrando a Moscatel, apresentava frutas maduras, mel, cera e um toque mineral, lembrando iodo. Além de ter sido o vinho que melhor acompanhou a carne com abacaxi, ele se saiu bem também junto à 'sopa' de banana.


Porém, antes do Demidulce, tivemos um Riesling campeão, acompanhando o pad thai. Chama-se Domdechant Werner Hochheimer Riesling Trocken 2011, e a vinícola produtora, a Domdechant Werner faz parte da VDP, a associação dos melhores produtores da Alemanha (se não sabe o que é a VDP, descubra aqui). Este é um rótulo básico da vinícola, mas sua complexidade está uma categoria acima. De aroma intenso, mesclando frutas de caroço maduras com maçã verde, notas meladas e muito petrolato, na boca mostrou uma estrutura também acima dos Rieslings mais básicos, com uma alta acidez, porém não tão nervosa, tendo bom volume de boca, e boa persistência aromática.

Para fechar essa deliciosa seqüência de vinhos com chave de ouro, um dos colegas à nossa mesa havia levado uma garrafinha de Tokaji Aszú 3 puttonyos 2010. Como um bom Tokaji, é um vinho denso, muito doce e com muita acidez, além de aromas intensos de mel, frutas em calda, e o químico típico da botrytis. Já advertido por outros colegas, eu guardei a última colher de sobremesa, a Taj Mahal, para provar com o vinho. E realmente, ele incrementou a experiência da sobremesa, somando-se os sabores um do outro, e harmonizando perfeitamente com a pimenta. Um espetáculo!


A noite foi muito agradável, em ótima companhia, com excelentes vinhos e, no geral, boa comida. Houveram coisas que não gostei, claro, mas sai satisfeito. É bem verdade que ir ao restaurante em um dia normal, pedindo à la carte, é bem melhor do que o que foi apresentado no dia. Eu sei, porque já fui lá algumas vezes. Mas no evento, os vinhos se destacaram em termos de qualidade, pelo menos na nossa mesa. Foi uma grande seleção, excelente em qualquer ocasião, e melhor ainda acompanhando a culinária asiática.




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