9 de março de 2015

Quinta de Castelo Melhor

Texto da série: Descobrindo e Provando Portugal com a ViniPortugal

Este relato trata da minha visita a Portugal como convidado da Vinhos de Portugal. Caso ainda não tenha lido, leia o prólogo.

Após uma noite gelada e chuvosa na Hospedaria do Convento, em Figueira de Castelo Rodrigo, seguimos para a Quinta de Castelo Melhor, às margens do rio Douro, sede do projeto Duorum.


Duorum

Apesar do nome do projeto fazer lembrar o do rio, a palavra Duorum significa "de dois", em latim. É um projeto que nasceu de uma sociedade entre João Portugal Ramos e José Maria Soares Franco. Soares Franco é formado em Agronomia, e trabalhou na Casa Ferreirinha de 1979 até 2007, tendo assumido a gerência da enologia em 1987. João Ramos é enólogo originário no Alentejo, mas com projetos em diversas regiões de Portugal.

O projeto começou com a compra das diversas parcelas que pertenciam a inúmeras famílias, em alguns casos emigrantes, para formar a quinta que hoje possui um total de 160ha de terras, com projeto para chegar a 90ha plantados de vinha, dos quais já se encontram plantados 42ha. A quinta está inserida em uma zona de proteção ambiental, o Parque Natural do Douro Internacional, sendo assim, o restante da área está dedicado à manutenção da vegetação ou reflorestamento, para servir de refúgio para aves da fauna local e migratórias. Além de águias, abutres, cegonhas e outras aves migratórias que passam pela região, e necessitam de abrigo e alimento, as terras do Douro Superior abrigam o chasco-preto (nome científico O. Leucura), um pequeno pássaro em risco de extinção.

Mas para apresentar o projeto, ninguém melhor que quem o construiu. Com a palavra, José Maria Soares Franco:



Um Castelo Bom, e um Castelo Melhor

A quinta se localiza a 1Km da vila que lhe dá nome. Estamos no Douro Superior, margem sul, quase na divisa com a Espanha. Esta região fronteiriça foi muito disputada principalmente entre os séculos XI e XIII, e por isso, foi dotada de inúmeros castelos. Só passou em definitivo ao domínio português no ano de 1297, durante o reinado de D. Dinis I, o sexto rei de Portugal. Dentre os diversos castelos que passaram ao domínio português, havia o Castelo Bom [1], um pouco mais ao sul, e o Castelo Melhor [2], mais próximo ao rio Douro.

A linha ferroviária do Douro que corre ao lado do rio desde a cidade do Porto, já chegou a conectar a cidade diretamente com a Espanha [3], com serviço na estação de Castelo Melhor. A estação se localiza bem à margem do Douro, aos pés da encosta onde se localiza a sede da quinta. Hoje, porém, a conexão com a Espanha foi desativada, e algumas estações ficaram abandonadas.


Douro Superior

Como já disse, a Quinta de Castelo Melhor se localiza no Douro Superior, próxima à fronteira espanhola. Assim como outras regiões interiores de Portugal, o clima é predominantemente continental, com grandes amplitudes térmicas, baixa pluviosidade, e muita insolação e calor durante o dia, no verão. Por outro lado, as encostas abruptas de xisto causam um desnível que vai dos 150m - a altitude ao nível do rio - até mais de 500m. Essas características são cruciais para a qualidade dos vinhos da propriedade, de acordo com Soares Franco. Mais uma vez, cedo-lhe a palavra:



A visita

Chegamos à quinta com o clima completamente nublado, de nuvens escuras, ameaçando chuva. À frente, havia a sede com o salão de recepção, e ao lado dela, uma pequena construção de blocos de xisto, que não continha nada além de lenha e um forno aceso. Atrás da sede, um plano gramado, depois outro ligeiramente mais baixo, que termina em uma mureta, de onde se tem uma vista espetacular do Douro, mesmo com o tempo nublado. De lá do alto, era possível avistar a sede da Casa Ferreirinha, do mítico Barca Velha, onde Soares Franco trabalhou de 1979 a 2007, sendo 20 anos como diretor de enologia. Chegamos cedo, e quem nos recebeu foram os cachorros da propriedade, dois cães da raça Serra da Estrela, muito dóceis.

Tivemos tempo de apreciar a vista, tirar fotos, até que chegaram nossos anfitriões, José Maria Soares Franco, e João Perry Vidal, que também está no projeto desde o início, como diretor de viticultura. Ainda na sede, Soares Franco falou algumas palavras a respeito do projeto, e em seguida ambos nos levaram de carro encosta abaixo até o Douro, enquanto nos explicavam e mostravam um pouco a respeito das vinhas, da vegetação, e do projeto de preservação da biodiversidade.

Em seguida, voltamos à sede, para provarmos uns vinhos. Como aperitivo, o branco Tons de Duorum 2013. Apenas 5% da área de vinhas é de uvas brancas, e se localizam nas parcelas mais altas, para obter um vinho branco de máximo frescor; objetivo que atingiram com enorme sucesso. Um vinho fresco, aromático, com nível alcoólico relativamente baixo (12% hoje em dia é baixo), e um ótimo volume de boca. Eu devo confessar que já tinha visto este vinho várias vezes sendo vendido no Brasil, e nunca tinha me sentido tentado a prová-lo. Agora que conheço o projeto, e quem está por trás, me arrependo de tê-lo menosprezado.

Junto do branco, queijo de ovelha, marmelada, amêndoas glaceadas com flor de sal, e torradas com azeite e flor de sal. Eu já ficaria satisfeito só com isso, mas nosso programa incluía o almoço ali.


Tour de degustação de borregos assados

Na véspera, após um delicioso borrego com batatas no almoço da Quinta dos Termos, fomos à Casa D'Irene, na pequenina vila de Malpartida, para jantar. O menu era... borrego com batatas assadas. E no Duorum, qual haveria de ser o cardápio? Obviamente, borrego na brasa com batatas assadas, pois! Isso me leva a crer que naquelas paragens, borrego com batatas é o prato típico que se serve a visitas importantes, quando os anfitriões querem servir o que têm de melhor!


Junto ao almoço, foram servidos os vinhos tintos: Duorum Colheita 2013 e Duorum Reserva Vinhas Velhas 2011. Os tintos são feitos basicamente de Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz, sendo que o reserva possui muitas outras variedades, por ser majoritariamente de vinhas centenárias, plantadas misturadas. As uvas são colhidas a mão, e esmagadas com pisa robotizada em lagares, seguida de maceração pré-fermentativa. Depois são transferidas para tanques onde fermentam a temperatura de 28ºC. O Colheita faz estágio em barricas usadas (segundo e terceiro uso) por 12 meses, enquanto o Reserva descansa 18 meses em barricas, 70% novas.

Estava tudo uma delícia, queijo, azeite, pão, amêndoas, sopa, borrego, batatas, vinhos... e ao final, ainda tinha pudim de leite e um Porto Vintage 2011, previamente decantado. Entre os estilos de Porto, eu sempre preferi o Tawny, mas um Vintage decantado é um espetáculo! Com o Duorum, eu aprendi a apreciar um bom Vintage.


Enquanto almoçávamos, o tempo abriu e o sol apareceu. Assim ainda tivemos a oportunidade de apreciar a vista do Douro em toda a sua beleza. E com esta vista, encerramos nosso passeio pelo Douro. Mas muita coisa ainda aconteceu na cidade do Porto...


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sintam-se livres para comentar, criticar, ou fazer perguntas. É possível comentar anonimamente, com perfil do Google, ou com qualquer uma das formas disponíveis abaixo. Caso prefiram, podem enviar uma mensagem privada para sobrevinhoseafins@gmail.com.