4 de setembro de 2013

Gamay também é uva nobre

Palestra da Inter Beaujolais para promoção dos vinhos Beaujolais no Brasil


A ABS Campinas SBSomm, em parceria com a Inter Beaujolais, realizou nesta semana uma degustação dirigida para apresentar as 12 Denominações de Origem da região do Beaujolais. Inter Beaujolais é uma associação dos produtores e comerciantes de vinho, responsável, de uma lado, por regulamentar e fiscalizar a produção da região, e de outro, promover o produto em outros mercados. A apresentação foi realizada pelo senhor Anthony Collet, diretor de marketing da associação.

Além do Beaujolais Nouveau

Esta região é mais famosa pelo Beaujolais Nouveau, um vinho que, acompanhado de uma estratégia de marketing bem sucedida, virou um sucesso de vendas em todo o mundo. Porém trouxe consigo uma má reputação, já que é um vinho simples, que se deteriora rapidamente, e por isso não é bem cotado pelos principais críticos de vinho.

Uva Gamay *
O foco da Inter Beaujolais é mostrar que a região não tem apenas Beaujolais Nouveau; que eles também têm vinhos complexos, de guarda; que a Gamay também é uma uva nobre; e que a produção de Beaujolais não é uma produção industrial.

Para defenderem suas afirmações, eles têm fatos concretos. Estudos ampelográficos determinaram que a Gamay é um cruzamento espontâneo (ocorreu sem interferência humana) entre Gouais Blanc e Pinot Noir, assim como a Chardonnay. Ou seja, irmã da Chardonnay, e filha da Pinot Noir, ela tem os genes das uvas nobres. Ela teria, portanto, plena capacidade de desenvolver características complexas, assim como a Pinot Noir. Diz-se que o Beaujolais, com a idade, ele 'pinota', ou seja, adquire características de Pinot.

Além disso, Mr. Collet destaca que a região possui 2500 propriedades, com área média de 9,4ha, a colheita é sempre manual, e as poucas propriedades que usam máquinas, o fazem para tarefas como aragem, remoção de ervas (e provavelmente aplicação de defensivos agrícolas). Ele ainda ressaltou que o uso de carros de boi para arar a terra ainda é muito comum na região.

As 12 denominações de origem

Beaujolais é a terra da Gamay, que corresponde a 98% da produção local. É uma variedade de casca fina, por isso seus vinhos têm pouca estrutura e pouca matéria corante. São frutados quando jovens, mas quando envelhecem, tendem a adquirir aromas de sous-bois (terra úmida, folhas úmidas). Se dividem em 3 famílias: Beaujolais, Beaujolais-Villages, e os 10 crus de Beaujolais.

Mapa das denominações *
A maior delas é a própria Beaujolais, que corresponde a 36% da produção da região, incluindo os nouveau, que são responsáveis pela metade disso. Sua área de abrangência se localiza principalmente à parte sul, e também nas planícies ao longo do Saône. O solo granítico é coberto por uma camada argilo-calcária.

Responsável por 28% da produção, Beaujolais-Villages se localiza na zona mais central, em relação ao eixo norte-sul. São vinhedos de encostas, afastados do rio Saône. Possui solos mais pobres, graníticos, que ajudam a aumentar a concentração das uvas.

Os 10 crus, que abrangem as denominações mais conceituadas, se localizam ao norte, em solos completamente graníticos, e permitem apenas produção de tintos. Estão subdivididos em tenros (Fleurie, Chiroubles e Saint-Amour), e robustos (o restante). Os últimos são os mais estruturados, complexos, às vezes apresentando notas minerais, e com melhor potencial de guarda. A julgar pelos vinhos apresentados, eu recomendo Brouilly, Côte de Brouilly e Juliénas.

Degustação

Foram degustados 10 vinhos, todos de safras 2009 a 2011. De acordo com o Mr. Collet, foram 3 anos de excelente clima, sendo que 2009 foi a melhor safra de que se tem registro. Todos os 10 tinham corpo leve, cor de baixa intensidade, poucos taninos. A acidez também não é destaque em nenhum deles. Porém há de se considerar que essa é a proposta deles: serem leves e redondos, fáceis de se tomar. São até mais agradáveis em um clima quase sempre quente como o nosso.


A maior diferença entre um e outro estava nos aromas. Basicamente, havia os de aromas jovens, e aqueles que 'pinotavam', isto é, apresentavam aromas de sous-bois. Além disso, havia aqueles que sumiram na taça, e aqueles que evoluíram.

Além de aromas de evolução, 3 vinhos apresentaram aromas de esparadrapo/acetona (indícios de contaminação por Brett), e uma das garrafas estava bouchonée (contaminação por T.C.A.). São aromas desagradáveis, e fica até difícil tomar o vinho. Por outro lado, demonstra que estes produtores preferem pequenas doses de contaminação (que não trás riscos à saúde) a encher o vinho de sulfitos (sendo que este sim, pode fazer mal se consumido em grande quantidade). A seguir, segue uma breve descrição de cada um dos vinhos.

  1. Beaujolais Laurent Chardigny 2010: evoluído, sumiu rápido na taça. Tinha aromas de frutas vermelhas, sous-bois e galhos verdes. Mas o que é isso, BeauLolais, em vez de Beaujolais? O rótulo continha um erro de grafia, mas passou pelas mãos de muitas pessoas, sem que ninguém percebesse.
  2. Beaujolais-Villages Abel Pinchard 2011: jovem, mas sem muita persistência. Aroma de merengue, framboesa, final levemente amadeirado.
  3. Domaine des Balloquets 2010: A.O.P. Brouilly. Plantados nas encostas do monte Brouilly, em solo de granito rosa. Vinho jovem, persistência média, era dos mais robustos. Aromas florais, de merengue e frutas vermelhas.
  4. Combe au Loup 2009: A.O.P. Régniér. Nariz evoluído, emanando muito sous-bois e esparadrapo. Na boca, era mais agradável, frutado e especiado (épicé). Desapareceu rapidamente na taça.
  5. George Duboeuf 2011: A.O.P. Fleurie. Dizem ser a denominação mais feminina, pelo caráter dos vinhos. Jovem, com nariz beaujolais: floral e bala de framboesa, com boa persistência. Na votação pelo melhor da noite, ficou em segundo.
  6. Clos de la Brosse 2010: A.O.P. Saint-Amour. Devido ao nome da A.O.P., é um sucesso de vendas nos países que celebram valentine's. Porém creio que este exemplar não faria sucesso em um jantar romântico, por causa do nariz 'pinotado' (champignon e sous-bois). Pelo menos na boca mostrou alguma jovialidade (merengue, ameixa seca, épicé). Também desapareceu muito rápido na taça.
  7. Os vinhos seguintes são todos de vinhedos antigos, de 30 a 70 anos, dependendo do produtor. Um pouco por consequência das idades das vinhas, e um pouco pelas características das suas respectivas regiões, apresentam corpo e taninos um pouquinho mais destacados que os demais.

  8. Domaine Ruet 2009: Côte de Brouilly. O solo é de granito azul, no topo do monte Brouilly, e as videiras, entre 50 e 60 anos, estão plantadas no máximo de densidade (10 mil pés/ha). Mais um de nariz 'pinotado' (sous-bois, oxidação) e paladar frutado (geléia e especiarias). Evoluiu muito bem na taça, exalando menta.
  9. Marcel Lapierre 2011: A.O.P. Morgon. Vinho natural, de caráter jovem (floral, frutas vermelhas, alcaçuz), e pequeno sinal de Brett (verniz, acetona). Infelizmente, com o tempo, o aroma de acetona não se dissipou, em vez disso, passou a dominar o conjunto.
  10. Beauvernay Juliénas Vielles Vignes 2009: A.O.P. Juliénas. Apesar de ser o único a alardear a idade das vinhas, elas têm apenas 30 anos. Mesmo assim, foi eleito o melhor da noite. Jovem (compotas de frutas vermelhas, especiarias, merengue), entre os de maior persistência aromática, e na taça evoluiu para um aroma mentolado intenso. Também foi o vinho de mais corpo, e com taninos mais perceptíveis.
  11. Henry Fessy Moulin-à-vent 2011: A.O.P. Moulin-à-vent. Foi identificada contaminação por Brett em mais de uma garrafa. Mas a minha taça mostrava um vinho jovem em que predominavam frutas frescas e merengue. Eu e aqueles que estavam ao meu lado tivemos a sorte de apreciar um vinho elegante e agradável.

Para quem quer se aprofundar:
as características vitivinícolas do Beaujolais


Beaujolais se localiza ao ao sul da Borgonha, limitada pelo rio Saône a leste, e pelas montanhas do Maciço Central a oeste. As videiras são cultivadas às encostas das montanhas do Maciço Central, em altitudes de 200m a 400m. No inverno, predominam as influências continentais, sendo varrida por ventos frios vindos do norte e canalizados pelo vale do Saône. No verão, recebe ventos do mediterrâneo. O maciço Central protege os vinhedos da influência atlântica, mas às vezes permite passar alguma chuva.

Poda Gobelet *
Todos os vinhos do Beaujolais são classificados como Apelação de Origem Protegida. Isso não significa que eles aprovem qualquer coisa dentro da A.O.P. Significa que não possuem uma categoria Vin de Pays (I.G.T. na nova legislação européia). Portanto, se alguém quiser fazer um vinho fora das regras, será um simples vinho de mesa, sem direito a colocar o nome da região no rótulo.

Os vinhos tintos abrangem 98% da produção, que usa exclusivamente a Gamay noir a jus blanc (ou simplesmente Gamay, para os íntimos). É uma casta muito fértil, e para limitar essa fertilidade - e garantir uvas mais concentradas, de maior qualidade - utilizam sistemas de poda curta, chamado Gobelet. Além disso, possuem alta densidade de plantio, de até 10 mil pés por hectare.

O modo de vinificação beaujolaise consiste de maceração semi-carbônica, com cachos inteiros (isto é, inclui os engaços). Os cachos são colocados em grandes cubas, e o peso faz com que as uvas de baixo sejam esmagadas, e iniciem a fermentação tradicional. O gás carbônico liberado sobe, isolando as uvas do oxigênio. As uvas do alto da cuba, por sua vez, fermentam dentro das cascas, o que é chamado de fermentação intracelular. A fermentação malolática também ocorre, reduzindo a quantidade de ácido málico.

Como a Gamay tem pele muito fina, os engaços são importantes para fornecer estrutura e taninos ao vinho. Por isso, a seleção dos cachos precisa garantir que eles também estejam maduros, sob risco de fornecer taninos demasiado verdes, arruinando o vinho. Às vezes, também se utiliza passagem por barrica, com esse mesmo propósito.


* As imagens marcadas com (*) são de autoria da Inter Beaujolais, e foram gentilmente cedidas para uso neste texto.

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