28 de junho de 2021

Molhos e harmonização

Em pratos de massa, não resta dúvidas que é o molho que determina a harmonização. Mas também quando acompanha a proteína, muitas vezes o molho pode mudar completamente o prato, e ser determinante na escolha do vinho.

Por exemplo, para um suculento steak por si só, a escolha mais natural recairia em tintos encorpados e com alto nível de taninos. Mas se for escoltado por um molho ácido de limão, por exemplo, a acidez do molho entraria em conflito, anulando a acidez do vinho, e ressaltando amargor. Neste caso, o vinho mais indicado será um branco de alta acidez.

Outro exemplo: um filé de frango por si só, é um alimento de baixo risco, e aceita grande diversidade de vinhos: tintos leves, rosés, brancos leves ou encorpados. Mas no caso de ser servido com um molho a base de creme, por um lado, o molho entra em conflito com taninos dos tintos, e por outro, vinhos mais leves provavelmente seriam apagados pela untuosidade do molho. Neste caso, a escolha se restringe a brancos encorpados, que tenham passado por fermentação malolática.

A seguir, estão algumas famílias de molhos, e como eles interagem com os vinhos.

Base de tomate

Molho de tomate

Ex: sugo, bolonhesa, ragu, all'amatriciana, barbecue

O molho de tomate é um grande amigo dos vinhos tintos. O tomate não entra em conflito com taninos, e tem boa acidez. O sabor do tomate pode reduzir a sensação de fruta no vinho, de forma que é ideal escolher vinhos mais frutados. Quanto ao corpo, depende da intensidade de sabor do molho - é um sugo, ou um ragu? - e do quê ele está guarnecendo: massa, vegetais, peixe, frango, ou carne vermelha? Empanado ou grelhado? O molho de tomate é um grande aliado para permitir harmonizar peixe com vinho tinto.

Há de se observar também, no caso de molhos muito apimentados (de acordo com o paladar de cada pessoa), melhor optar por vinhos com mais acidez, menos taninos e álcool. Talvez, até mesmo um rosé.

Molho de carne

Sunday roast, servido com molho rôti

Ex: molho rôti, demi-glacé, bordelaise, Madeira.

Esses molhos são normalmente feitos a partir da deglaçagem, que consiste em dissolver (com água, ou vinho), a crosta formada pela reação de Maillard, em um processo de cocção a seco (assado, grelhado, etc.). Esses molhos são compatíveis com vinhos tintos, e harmonizam com vinhos barricados, devido a similaridade de aromas empireumáticos. O corpo do vinho vai depender do tipo de proteína e da intensidade de sabor do molho, lembrando que o líquido usado (água, vinho branco, vinho tinto, vinho fortificado) afeta a intensidade.

No caso de pratos guisados em vinho tinto (ex: coq au vin, boeuf bourguingon, brasato al Barolo), uma boa opção é escolher um vinho similar, ou um pouco mais encorpado, do que o usado no prato. Algumas vezes, a proteína (por exemplo, um ossobuco) pode pedir um vinho ainda mais encorpado.

Molhos a base de vinhos fortificados, como Porto, Madeira ou Marsala, devido à intensidade de sabor, também pedem tintos mais intensos. Esses molhos têm normalmente um toque adocicado, de forma que devem harmonizar melhor com vinhos originários de clima quente: alto teor alcoólico e acidez moderada. Caso o vinho do molho seja frutado (como o Porto Ruby), os aromas serão mais similares a tintos frutados. E caso o vinho do molho tenha características oxidativas, como o Madeira, os aromas serão similares a vinhos envelhecidos.

Base de ovos

Eggs Benedict, tipicamente servido com molho hollandaise

Ex: hollandaise, béarnaise, maionese, tártaro.

A proteína do ovo não costuma reagir bem com taninos. Preferencialmente deve-se optar por brancos. Preparos mais ácidos (molho tártaro), pedem brancos leves, de maior acidez. Outros, devido à untuosidade, pedem brancos encorpados.

No caso de o molho acompanhar uma carne vermelha (como o clássico filet Oscar, acompanhado de molho béarnaise), alguns especialistas vão recomendar um branco encorpado, mas outros não abrem mão de um tinto. Neste caso, um tinto leve e de poucos taninos, como um Beaujolais.

Base de leite/creme

Molho béchamel

Ex: molho branco / béchamel, molho roquefort, de cogumelos, de mostarda.

Molhos a base de leite e/ou creme também costumam reagir mal com taninos. Devido à untuosidade, também são recomendados vinhos brancos encorpados; especialmente, vinhos com fermentação malolática, que resultam em aromas lácteos que ajudam ainda mais na harmonização com o molho. Mas o molho branco é mais tolerante aos taninos, de forma que, no caso de guarnecer uma carne vermelha, pode-se optar por tintos leves ou de médio corpo (recomendável escolher um vinho com menos taninos do que seria escolhido caso a carne fosse servida sem molho).

Já molhos a base de iogurte, normalmente usados para guarnecer saladas, tendem a ter acidez (inclusive com adição de limão). Neste caso, a opção mais adequada é por brancos leves, com alta acidez.

Base de vinagre / limão

Steak com chimichurri

Ex: vinagrete, chimichurri, beurre blanc.

Em geral, molhos com maior acidez podem causar amargor em tintos, e pedem vinhos brancos de alta acidez. Um exemplo é o molho beurre blanc. É feito diluíndo-se manteiga em uma base de vinagre e/ou vinho branco. Apesar da manteiga, é um molho delicado, que demanda como acompanhamento um vinho branco de alta acidez.

No caso do vinagrete, caso a acidez seja intensa, também é interessante evitar taninos, e privilegiar alta acidez. Um branco leve será a melhor opção. Mas as receitas de vinagrete podem variar bastante, oferecendo grau menor de acidez, e permitindo brancos médios, ou tintos leves, dependendo do prato. No caso de vinagrete com mel, um branco semi-seco pode ser a melhor opção. O chimichurri, por sua vez, normalmente não é tão ácido, e por isso permite tintos junto ao churrasco.

Molho de chocolate

O chocolate é um alimento de difícil harmonização, em parte porque sua untuosidade cobre as papilas gustativas, bloqueando o vinho. Vinhos com alto teor de taninos ajudam a limpar a untuosidade do chocolate. Além disso, mesmo guarnecendo um filet, o molho terá um toque adocicado. Por isso, é recomendado vinhos tintos de clima quente, com alta carga tânica, alto teor alcoólico, e acidez moderada. O aroma de tintos frutados harmoniza, neste caso, complementando o aroma do chocolate.

Temperos e aromas

Uma vez definido o tipo do vinho (por exemplo: branco leve, tinto encorpado, etc.), pode-se tentar levar em consideração os ingredientes aromáticos incluídos no molho, para incrementar ainda mais a harmonização. Por exemplo, caso o molho contenha ervas, pode-se tentar buscar vinhos com aromas herbáceos. Caso o molho contenha cogumelos, pode-se tentar optar por vinhos de aromas terrosos. No caso de molhos que levem especiarias, pode-se optar por vinhos especiados.

As pimentas, sejam pimenta-do-reino, sejam as pimentas chili (malagueta, jalapeño, habanero, etc.), além de aromas, podem dar picância ao prato. Neste caso, dependendo do nível de picância e da sensibilidade de cada um, pode ser necessário optar por vinhos mais leves de menor teor alcoólico. Por exemplo, para um molho rôti com pimenta do reino fresca, caso esteja muito picante, pode-se optar por um tinto mais leve, em vez de um tinto médio. Ou no caso de um molho all'arrabbiata, se for muito apimentado, talvez seja melhor optar por um rosé, em vez de um tinto leve.

4 comentários:

  1. Olá, descobri seu site recentemente. Por favor, não pare de postar!!

    Abraço
    Fernando

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  2. Amei o conteúdo! Continue com esse ótimo trabalho!

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