Menu

16 de setembro de 2023

As origens da Syrah

Um dos vários mitos a respeito da origem da Syrah, é que seria original da Pérsia (Irã), onde há uma cidade de nome Shiraz. De lá, teria sido levada para a França. Segundo essa lenda, a Austrália teria mantido o nome correto da uva, enquanto que na França, ele teria sido afrancesado para Syrah.

No entanto, esta e outras hipóteses de sua origem foram completamente enterradas com as conclusões obtidas dos estudos genéticos: a Syrah é de origem francesa, e nasceu do cruzamento entre duas variedades francesas, que eram e são cultivadas ao redor da provável região de origem - e de excelência - o norte do vale do Rhône.

O norte do Rhône se encontra na confluência entre os departamentos franceses de Ardèche, Drôme e Isère. Somando-se a estes o departmento da Savóia, encontram-se uma ampla gama de variedades de uva relacionadas entre si, e classificadas pela ampelografia em duas famílias diferentes: a família da Sérine, e da Pelorsien.

Sérine

Sérine é um dos nomes com que a Syrah é conhecida, em sua região de origem. Aliás, a primeira citação bibliográfica comprovada à variedade, de 1781, mencionava 'la Sira de l'Hermitage' e 'la Sérine de Côte-Rôtie', como se fossem duas variedades distintas. As seguintes variedades fazem parte da família:
  • Syrah: uma das variedades mais cultivadas do mundo, produz vinhos densos, tânicos, com aromas a frutas negras e pimenta do reino. É a única variedade tinta do norte do Rhône, podendo ser complementada com variedades brancas. Suas duas AOPs de maior reputação produzem estilos bastante distintos: em Hermitage, os vinhos são mais poderosos e densos, enquanto na Côte-Rôtie, são mais aromáticos e macios, devido à tradição local de se adicionar um pequeno percentual de Viognier ao vinho tinto.
  • Viognier: não tinha mais do que 14ha plantados por volta de 1960, todos ao redor de Condrieu (Château-Grillet e Côte-Rôtie); mas a partir de então se difundiu pelo mundo no rastro da Syrah. Produz vinhos encorpados, aromáticos, ligeiramente florais, bom potencial de guarda, mas com risco de baixa acidez. Ela pode ser irmã ou avó da Syrah, devido ao seu parentesco com a Mondeuse Blanche (*).
  • Marsanne e Roussanne: fora da restrita área de exclusividade da Viognier, estas são as únicas variedades brancas no restante do Rhône norte. Elas tem uma relação de mãe-filha entre si, e são normalmente vinificadas juntas. A Marsanne é a mais cultivada, por ser mais produtiva, mais resistente a doenças e ter mais facilidade para amadurecer, mas Roussanne é considerada de melhor qualidade, mais aromática, com mais acidez e melhor capacidade de envelhecimento.
  • Mondeuse Noire: esta variedade provavelmente originária de Isère é altamente conceituada nos vinhos da Savóia, produzindo vinhos tintos com boa carga aromática, tânica e com potencial de guarda. Ele tem relação pai-filho com a Mondeuse Blanche, sem ser possível determinar quem é o progenitor (*). No entanto, pelas características morfológicas, foi incluída na família Sérine enquanto a Blanche, na família Pelorsien.
  • Persan: variedade tinta cultivada na Savóia, e também no Piemonte (sob o nome Bécuet). Rara, tem ganhado visibilidade devido à alta qualidade dos vinhos: alta carga tânica e acidez, que combinados, levam a grande potencial de guarda. É facilmente confundida com a Mondeuse Noire ou mesmo com a Syrah; e possui relação pai-filho com Etraire de l'Aduï, que foi muito difundida no passado entre o Rhône e Savóia, mas que hoje, está restrita a poucos hectares na Savóia.
  • Douce Noire: exames de DNA provaram que a variedade chamada de Bonarda na Argentina é a mesma chamada Corbeau ou Douce Noire, cultivada na Savóia (atualmente, apenas 2ha). Tradicionalmente, produz vinhos leves, que em corte, são usados para amaciar vinhos mais adstringentes.

(*) obs: nas análises genéticas, é possível estabelecer um relacionamento mãe/filha entre duas variedades, mas se o outro progenitor não for identificado, é impossível saber quem é a mãe, quem é a filha. Por isso, ambas combinações são possíveis: a Viognier poderia ser mãe da Mondeuse Blanche, e por consequência avó da Syrah e da Mondeuse Noire; ou a Mondeuse Noire é a mãe, e consequentemente avó da Syrah e da Viognier.

Pelorsien

A árvore genealógica da Syrah não pode ser discutida sem menção à Pelorsien, pois pai e mãe da Syrah (respectivamente Dureza e Mondeuse Blanche) pertencem a esta outra família.
  • Peloursin: esta antiga variedade do departamento de Isère deu nome à sua família, mas tem apenas importância histórica. Praticamente não é mais cultivada, à exceção de alguns vinhedos velhos, interplantada com a Petite Sirah, com quem é frequentemente confundida.
  • Petite Sirah / Durif: provavelmente a mais conhecida internacionalmente desta família, é resultado do cruzamento entre Peloursin e Syrah. Na França, é conhecida como Durif (nome do botanista que a criou). Mas ela é particularmente famosa nos Estados Unidos, pelo nome de Petite Sirah, onde possui um até um fã-clube, chamado P.S. I Love You. Ela é comumente confundida tanto com Peloursin quanto com Syrah, e produz vinhos encorpados e de cor intensa.
  • Dureza: variedade tinta originária de Ardèche, mas atualmente praticamente extinta após a filoxera, não é autorizada em nenhuma AOP francesa (pode ser cultivada como um vin de france). Mas ficou famosa por ser o pai da Syrah. Pode ser confundida com a Syrah, Petite Syrah e mesmo Peloursin.
  • Mondeuse Blanche: mãe da Syrah, tem ainda relação de mãe/filha com Viognier e Mondeuse Noire. É confundida com Roussette D'Ayze (também da família Sérine). Mas apesar de tantos laços com esta família, foi classificada como Pelorsien. Atualmente, não há mais do 5ha na Savóia. Produz vinhos com alto teor alcoólico, e baixa intensidade.
  • Altesse e Jaquère: duas importantes variedades brancas da Savóia. Enquanto a primeira é associada aos vinhos de maior qualidade da região, a segunda corresponde à produção de maior volume, para vinhos simples. As duas variedades não têm uma relação genética próxima entre si, nem com outras variedades da família.

Emaranhado

Essa classificação em famílias se baseia em estudos franceses de meados do Século XX, e por isso não levou em conta os resultados genéticos. Grosso modo, as variedades mais associadas à Savóia foram classificadas como Pelorsien, enquanto as outras entraram na família da Syrah (que diga-se, foi escolhida como a precursora da família, baseada na equivocada hipótese de que ela seria a variedade estrangeira que deu origem às outras).

No entanto, algumas variedades de uma e outra família são tão parecidas entre si, que com frquência são confundidas (Peloursin se confunde com Dureza e com Durif; que por sua vez se confundem com Syrah; que se confunde com Mondeuse Noire e Persan). E do ponto de vista geográfico, há uma grande área de intersecção, onde muitas variedades de ambas famílias foram cultivadas, promovendo os cruzamentos naturais. Esses dois pontos mostram o forte elo e a difícil tarefa de se tentar separá-las em duas famílias.

Difusão no mundo

A Syrah é a terceira variedade mais cultivada da França. Além de exclusiva no norte do Rhône, é um dos tripés do blend GSM no Rhône sul e Languedoc, além dos rosés da Provence. Produzindo vinhos de qualidade, e bastante versátil, é cultivada em quase - se não todas - regiões vinícolas do mundo, tanto em regiões de clima quente, quanto em clima mais frio. O grande destaque fora da França é a Austrália: variedade mais plantada do país, produzindo um mar de vinhos, mas também muitos vinhos de qualidade. É ainda uma das mais plantadas na África do Sul, Chile e Argentina, e também tem grandes áreas no Líbano, Turquia, Estados Unidos, Portugal (especialmente Alentejo), Espanha (esp. Castilla-La Mancha), e até na Itália (Sicília).

A Viognier, se não na mesma proporção, também está por todo lado. Mas tem um pouco de dificuldade em reter acidez em climas um pouco mais quentes. Ainda assim, tem grande área cultivada no Rhône sul e Languedoc (entrando no blend de vinhos brancos), Estados Unidos e Austrália (muitas vezes, para entrar no corte com a Syrah, ao estilo Côte Rôtie). Argentina, África do Sul e Chile também possuem uma área razoável de Viognier.

A Marsanne e a Roussanne vêm a seguir, sempre com participações menores, no Rhône sul, Languedoc, Estados Unidos e Austrália. Aliás, o clima mais quente do Languedoc (e de muitas áreas da Austrália) têm mostrado bons resultados para a Roussanne. A Douce Noire desapareceu da França, mas é a segunda variedade tinta da Argentina, em área (sob o nome Bonarda), e também tem presença nos Estados Unidos (sob o nome Charbono). E fechando os membros da família Sérine, a Persan, além de pequena presença na Savóia, é plantada no Piemonte (Itália) sob o nome Bécuet.

Na família Pelorsien, a realidade é bem diferente. Daquelas que ainda são cultivadas comercialmente, a maioria é encontrada quase que exclusivamente na Savóia. A única exceção é a Durif, que por sua vez desapareceu na França, mas é importante nos Estados Unidos (sob o nome Petite Sirah) e Austrália. Fora isso, vem-se experimentando em países de clima mais quente.

É interessante notar como os Estados Unidos são citados na maioria dos casos. Mesmo que algumas vezes tenha sido por acaso (como a Peloursin, descoberta em meio a vinhedos de Durif; e Mondeuse Noire, confundida em meio a vinhedos de Refosco dal pedúnculo rosso). Esse interesse por variedades do Rhône nasceu com o sucesso do corte GSM, que se deu bem em zonas mais quentes da Califórnia, o que inspirou um grupo de produtores a fundar uma associação (Rhône Rangers) a incentivar e divulgar essas variedades. A Austrália não fica atrás, basicamente pelo mesmo motivo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sintam-se livres para comentar, criticar, ou fazer perguntas. É possível comentar anonimamente, com perfil do Google, ou com qualquer uma das formas disponíveis abaixo. Caso prefiram, podem enviar uma mensagem privada para sobrevinhoseafins@gmail.com.